“A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos” (Mt 9,37)

Desde criança, esta frase mexe com o meu interior quando a ouço. Naquela época, imaginava uma plantação esperando para ser alimento de muitos famintos enquanto se ponderava a possibilidade de tudo isso estragar na planta e os famintos continuarem famintos… 

Até meus nove anos, costumava visitar quase todas as semanas a casa de meus bisavós, que moravam em um sítio a alguns quilômetros daqui. Lá, minha bisavó cuidava pessoalmente da lavoura, repleta de muitas hortaliças e verduras, que ela cultivava não só para o consumo da casa, mas também para ser vendida aos mercados da cidade. Era comum chegarmos lá e encontrarmos a Vó Ana lidando na lavoura, já sexagenária, a qualquer hora do dia, fosse plantando, colhendo, limpando as ervas daninhas ou colocando adubo… Depois de vê-la trabalhar, sei quanto trabalho que isso representa…

Com o crescimento da idade e do acesso ao conhecimento, fui tendo a real dimensão do que essa frase queria dizer na boca do próprio Cristo. Cultivar as sementes que nos foram dadas ao longo da vida também demandam, além de escolhas, muito trabalho em nosso interior. Não basta escolhermos ser bons, plantando e disseminando boas sementes; as ervas daninhas das armadilhas das tentações crescem com facilidade à nossa volta e nem sempre temos força, determinação e vontade de manter a nossa “plantação” com boa saúde.

Neste ano que celebramos os 800 Anos da Impressão dos Estigmas de São Francisco de Assis no Monte Alverne, como cristãos franciscanos, não nos é possível ignorar este convite para a “messe” que Jesus nos deixou: todos somos convidados a colaborar como trabalhadores nesta colheita, pois temos muitos à alimentar, através de palavras e atitudes, com os ensinamentos que Jesus nos deixou. Este Amor que acolhe, esta Misericórdia que consola, esta Fé que nos move e nos aquece, tudo isso faz parte de um grande convite (que, não fosse o livre arbítrio, seria uma convocação inquestionável!…) que o próprio Pai nos faz desde o início dos tempos, traduzidas nas palavras do profeta Isaías: “Chamei-te pelo nome, tu és Meu” (Is 43,1).

O Francisco de hoje, no meio de um tempo de tanta tribulação, gerada principalmente pela “guerra em pedaços” que hoje se desenrola, nos lembra acerca deste convite, trazendo presente que – não importa a qual “tribo” você pertença – se os valores que você semeia podem ajudar a alimentar a fome (seja ela qual for, do corpo ou da alma) do mundo, você pode ser um trabalhador chamado para a colheita: “A unidade não é simplesmente um fim em si mesma, mas está ligada à fecundidade do anúncio: a unidade é para a missão… E ainda hoje o mundo espera, mesmo sem o saber, conhecer o Evangelho da caridade, da liberdade e da paz que somos chamados a testemunhar uns com os outros, não uns contra os outros ou longe uns dos outros. A este respeito, estou grato pelo testemunho comum oferecido pelas vossas Igrejas, penso especialmente em quantos — e são muitos — selaram a sua fé em Cristo com o sangue. Obrigado por todas as sementes de amor e esperança espalhadas, em nome do Crucificado Ressuscitado, em várias regiões ainda marcadas, infelizmente, pela violência e conflitos demasiadas vezes esquecidos. Caros irmãos e irmãs, que a cruz de Cristo seja a bússola que nos orienta no caminho rumo à plena unidade. Pois foi sobre esse madeiro que Cristo, a nossa paz, nos reconciliou, reunindo-nos a todos num só povo (cf. Ef 2, 14). E assim coloco idealmente nos braços da cruz, altar da unidade, as palavras que queria partilhar convosco, quase como quatro pontos cardeais de plena comunhão, que é dom, harmonia, caminho, missão.” (Discurso à delegação de jovens sacerdotes e monges das Igrejas Ortodoxas Orientais, 03/06/2022)

E aí, jovem, pronto(a) para trabalhar nessa colheita, e também plantando sementes do Bem?


Leila Denise

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