Poucos trechos do Evangelho me comovem tanto e há tanto tempo quanto a passagem dos “lírios do campo” (Lc 12, 22-32); me é difícil lê-la sem, ao menos, a voz embargar, porque considero que, além de poético, este trecho nos fala do Amor e da Misericórdia do Pai na sua forma mais simples e cristalina.
Por ser uma das passagens bíblicas sugeridas (nas pesquisas) para trabalharmos no nosso próximo encontro da fraternidade local da Ordem Franciscana Secular, este texto me está muito presente nas últimas horas. E com todos esses acontecimentos no nosso vizinho, Estado do Rio Grande do Sul, nas últimas semanas, é difícil não colocar na berlinda este pronunciamento do próprio Cristo.
Em um momento que milhares dependem das doações de um Brasil solidário para suprir praticamente todas as suas necessidades – pois as chuvas prolongadas, consigo, trouxeram um conjunto de situações que transformaram o território gaúcho em lugar de catástrofe –, vemos “pipocando” diversas iniciativas para auxiliar esses necessitados. Frise-se que as diversas instâncias governamentais têm atuado incansavelmente, através de seus agentes (em alguns casos, também eles assolados pelos mesmos problemas daqueles aos quais tentam assistir), mas há tanto a se (re)fazer que qualquer gesto, por pequeno que seja, pode refletir na motivação e na esperança dessas pessoas combalidas pelos acontecimentos.
Não tenho parentes morando nas áreas atingidas neste momento – mas tenho parentes que, anos atrás, aqui em Santa Catarina, foram assolados por situações semelhantes, perdendo quase tudo que tinham, a eles restando apenas a dignidade e a saúde de “correr atrás”, apoiados na fé de um Deus que lhe traria dias melhores –; por isso conheço um pouco da angústia e do sentimento de desvalia que ora vivenciam.
Em um mundo globalizado onde a guerra se faz declarada e noticiada pela grande mídia em pelo menos dois territórios de grande visibilidade, as palavras do Papa Francisco tornam ainda maiores quaisquer gestos de solidariedade que possamos fazer em favor dos nossos irmãos que passam por período tão turbulento:
“Na Encíclica Fratelli tutti, escrevi que a fraternidade «tem algo de positivo a oferecer à liberdade e à igualdade» (n. 103), porque quem vê um irmão, vê no outro um rosto, não um número: é sempre «alguém» que tem dignidade e merece respeito, não «algo» a ser usado, explorado ou descartado… só uma grande aliança espiritual e social, que nasça dos corações e se mova ao redor da fraternidade, pode fazer voltar ao centro das relações a sacralidade e a inviolabilidade da dignidade humana. Por isso, a fraternidade não tem necessidade de teorias, mas de gestos concretos e opções compartilhadas que a tornem cultura de paz. Assim, não devemos perguntar-nos que me podem dar a mim a sociedade e o mundo, mas que posso eu dar aos meus irmãos e irmãs. Ao regressar a casa, pensemos no gesto concreto de fraternidade que havemos de fazer: reconciliar-nos em família, com os amigos ou vizinhos, rezar por quem nos fez mal, identificar e socorrer quem passa necessidade, oferecer uma palavra de paz na escola, na universidade ou na vida social, ungir de proximidade alguém que se sinta só… Sintamo-nos chamados a aplicar o bálsamo da ternura nas relações gangrenadas tanto entre as pessoas como entre os povos. Nunca nos cansemos de gritar «não à guerra», em nome de Deus ou em nome de todo o homem e mulher que aspiram à paz… A fraternidade é um bem frágil e precioso… Aqui está o ponto donde partir sempre de novo: a consciência de se «sentir unido», centelha que pode reacender a luz para deter a noite dos conflitos.” (#NOTALONE – Praça São Pedro, 10/06/2023)
Como estamos contribuindo para construir essa “cultura de paz” que o “Francisco de hoje” nos fala? O que costumamos fazer para auxiliar fraternalmente quem necessita?
Todos podemos fazer algo – seja em atitudes práticas (como doações e arrecadações, além do tempo dedicado a essas atividades), seja em nossas orações –, não importando nossas condições financeiras, de saúde ou nossas crenças; basta deixarmos os sentimentos que nos impedem de lado e lançarmo-nos ao trabalho por este Reino anunciado pelo próprio Cristo.
Bora lá?
Leila Denise
Direito de imagem: Juventude Missionária de Bom Princípio (RS)