Você se sente perdido também?

Com algumas exceções, parece que se apodera do coração do ser humano uma inquietude. Com quem conversamos, ouvimos: “estou cansado, estou triste, estou sem tempo, estou desanimado, estou ansioso, estou preocupado…”. A humanidade, que já vivenciou tantas crises, hoje mais uma vez vislumbra um horizonte sem horizonte. Guerras, tragédias, dores, individualismo, doenças diversas. Estamos angustiados.

Nas relações de trabalho é um querendo derrubar o outro. Nas famílias optamos por permanecer horas com nossos aparelhos eletrônicos ao invés de conversarmos sobre a vida. Na relação entre homem e mulher queremos que um domine e o outro se cale. Na saúde queremos usar tudo, comer de tudo, nunca praticar um exercício físico, tirar até a nossa última gota de suor para fazer mais dinheiro e ainda pensamos que o cansaço é o diabo que está nos atormentando. O cansaço existe porque não estamos buscando o céu e sim o prazer da terra. Não nos damos conta do quanto é importante descansar. Até Deus o fez! A violência da guerra pode aparecer também nas pequenas ações pois se pudermos detonar o outro nas redes sociais o fazemos sem dúvida nenhuma. Começando por mim, eu digo que só não faço guerra porque não sou proprietário de um tanque. Não sou corrupto com grandes volumes de dinheiro porque não movimento grandes volumes de dinheiro. Nós só não cometemos muitos dos pecados que outros cometem porque não temos acesso ao que eles têm, pois caso contrário faríamos o mesmo ou o pior. Na oração querermos repetir milhões de palavras prontas nos esquecendo que o Pai quer que rezemos com poucas palavras, com o silêncio. Ou então queremos ficar olhando para o alto e só louvando e cantando para abstrair a nossa mente, quando na verdade devemos ouvir a advertência dos dois homens vestidos de branco da primeira leitura: “por que ficais aqui parados olhando para o céu?”. A fé não pode ser fruto do mercado, só do bem-estar, sem a conversão.

Estes são só alguns dos motivos pelos quais nos sentimos cansados, aflitos, angustiados e sem perspectiva. Estamos no automático. Mas irmãos e irmãs, a mensagem do Cristo Ressuscitado nos desperta! É justamente nesse “vale de lágrimas” que nos enfiamos por causa de nosso egoísmo que ele poderá fazer uma grande transformação. É na ausência total de luz que qualquer lampejo dela se torna plenamente visível. O mísero ser humano, do início ao fim de sua vida, está sempre em movimento e nunca repousa enquanto não chegar ao seu lugar, isto é, a Deus. Diz Agostinho “inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em vós, Senhor”. O lugar do ser humano é Deus, nunca haverá paz senão nele e, portanto, a Ele se deve voltar sempre. Por isso diante de tantas atrocidades, de tantos erros, que bom que estamos inquietos, que bom que estamos angustiados, que bom que estamos com essa sensação de mal-estar. É porque não nascemos para sermos filhos do erro, da indiferença, da dor, do egoísmo, mas professamos nossa fé no Deus da Vida e queremos ser como Ele!

E celebrarmos a Ascensão do Senhor é termos essa certeza de que o nosso lugar não é aqui mesmo. Rezamos na oração da coleta deste domingo: “Deus todo-poderoso, (…) na Ascensão de Cristo vosso Filho nossa humanidade foi elevada junto a vós e, tendo ele nos precedido como nossa cabeça, nos chama para a glória como membros do seu corpo”. Ou seja, com Cristo toda a nossa humanidade chegou à glória. E ele, nossa cabeça, o primeiro, aquele que veio antes, nos mostra o caminho para nós, que somos membros do seu corpo, também alcancemos a plenitude. E o prefácio da liturgia de hoje nos dirá: “Ele, nossa cabeça, nos precedeu não para afastar-se da nossa humildade mas para dar a nós, membros do seu corpo, a confiança de um dia o seguirmos”. Esta é a nossa esperança: se Cristo venceu, ele abriu as portas para a vitória de todos os que o seguirão!

Por isso, irmãos e irmãs, a nossa vida só vai ter sentido se buscarmos imitar o Cristo em nossas ações. Esse é o caminho! Enquanto ficarmos correndo ao redor de nossas misérias, como um cachorro que corre ao redor de si mesmo querendo alcançar o seu rabo, ficaremos tontos. Mas aproveitemos a nossa inquietação para sairmos desse ciclo vicioso de morte e alcancemos a plenitude do ser humano: ser igual a Cristo. Ele é a resposta. Seu modo de agir é sempre para nós o caminho para o céu, lugar onde vamos chegar pois ele nos abriu a porta.

Por isso, a este mundo doente, cumpramos o mandato do Nosso Senhor: “vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia a toda a humanidade”. Essa é a nossa missão: anunciar que dentro de tantas más notícias, a boa-notícia é que Cristo é a verdade, o caminho e a vida. Isso não implica obrigar ninguém a nada, mas mostrar por obras o quanto somos promotores de humanidade e esperança. Anuncia a boa-nova a todo ser humano significa se revestir de virtudes. Francisco de Assis entendeu bem esse anúncio e se diz sobre um de seus conselhos: “Pregue o evangelho, se necessário, use palavras”. Ou então: “Tome cuidado com as suas práticas, pois talvez elas serão o único evangelho que uma pessoa poderá ‘ler’”. Devemos ser evangelhos vivos! Transformadores de dor em esperança! Antecipar o céu nesta terra.

Por isso Cristo diz que quem não acreditar nesta palavra está condenado. Sim, nós estamos vendo que quanto mais nos afastamos de Cristo estamos nos condenando ao erro de uma vida sem sentido, onde achamos que tudo o que existe só faz sentido se termina aqui.

Continuando o Evangelho: “E os que o anunciarem farão sinais”: por que será que então não podemos operar milagres a todo momento, curando a todos? Os sinais são a antecipação do céu, mas não é ele aqui já. É por isso que diante da dor de nossos irmãos somos convidados a realizar sinais visíveis de ressurreição. Nas enchentes no Rio Grande do Sul, por exemplo, não impedimos a chuva. Mas podemos fazer o sinal da multiplicação do pão para saciar a fome dos irmãos sofredores através da solidariedade, podemos começar a estudar as questões climáticas para cuidarmos melhor da Criação que Deus nos deu. Ao cuidarmos da terra deixaremos este santuário criado por Deus para mais irmãos e irmãs que depois o cuidarão também, a fim de que contemplem as maravilhas de Deus, e aqui façam a sua peregrinação rumo à eternidade, exercendo o amor em suas vidas. Por isso o milagre não é o fim da dor, mas é o sinal de esperança. Ele antecipa o céu pois lá tudo é milagre: não falta nada. E quais são os sinais que acompanharão os anunciadores da Boa-Nova segundo o relato que ouvimos?

  1. “Expulsarão demônios em meu nome”: a palavra demônio significa “aquele que conhece as coisas”. Expulsaremos aquela pretensão de acharmos que temos resposta para tudo. Expulsaremos o demônio da autossuficiência à medida que deixarmos o nosso coração aberto e dócil para que Cristo nos transforme. E assim tiraremos as pessoas deste torpor, dessa ilusão demoníaca de que se bastam por si, de que não precisam amar o próximo, de que é cada um por si.
  2. “Falarão novas línguas”: não, Jesus não nos oferece um curso de inglês intensivo. Falaremos uma língua que está tão calada: a da caridade. Diremos os mais belos discursos da humildade que andam tão em desuso. Ofertaremos ao mundo a oportunidade de ouvir nossas boas ações. Uma vez, uma irmã da Alemanha, que não fala português visitou o Brasil. Uma brasileira, que nada sabe falar em alemão, ao vê-la, deu-lhe um abraço, um sorriso e desejou-lhe boas-vindas. Eu ri e comentei com outro irmão: “a alemã não entendeu nada”. E este me respondeu: “é a linguagem do amor, da hospitalidade, da alegria, e esta é universal”. Fato é que aquela religiosa da Alemanha saiu radiante do encontro que teve com a sua nova amiga.
  3. “Se pegarem em cobras ou beberem algum veneno não sofrerão mal algum”: ninguém aqui sairá agora caçando tocas de cobras ou bebendo veneno. Esta linguagem nos indica que por mais que experimentaremos a incompreensão e a dureza de optarmos por seguir a Cristo, não ficaremos desamparados. A nossa certeza é o céu, então não há o que temer. Pode ser que algo nos afete, mas não nos tirará do caminho!
  4. “Quando colocarem as mãos sobre os doentes, estes ficarão curados”: a palavra doente aqui não significa apenas alguém que está enfermo, mas significa “necessitado”. O nosso mundo está necessitado de Cristo, vivo e verdadeiro. A nossa imposição de mãos que espalhará a cura deve ser que o fruto de nossas orações se transforme em ações que curam. Ao entrarmos numa Igreja para rezar, saiamos dela com a vontade e o desejo de sermos melhores, de curarmos as chagas e dores do mundo tão sofrido que vivemos. Pessoas que machucam o ser humano já temos o suficiente, devemos ser promotores da cura!

Assim, irmãos e irmãs, a Ascensão de Cristo nos mostra também o caminho da nossa subida ao céu. Deus não é nada egoísta em querer sua morada só para Ele, mas nos fez para também habitarmos o seu lugar e termos a chance de contemplá-lo face a face. Vivamos de acordo com esse amor, saindo da mesquinharia de imaginar que somos feitos para esse mundo.

E tem uma categoria de seres humanos que muito bem entende esse lugar de céu, pois seus gestos de amor e bondade, disciplina e ternura, fazem com que nós sintamos o amor de Deus. Estas são as nossas mães. Discípulas de Cristo, fazem nascer para o mundo não só a nova vida de seus filhos, mas ao doarem amor, são a demonstração de que o mundo tem jeito se for um pouco mais “materno”. E mais ainda, quando o filho erra, quando o filho cai, quando o filho necessita ser corrigido, ela lhe dá novamente a vida pois o orienta ao caminho certo. Mãe é aquele refúgio onde sempre temos uma boa palavra. E as mães que já estão junto de Deus permanecem vivas. Já alcançaram o céu e deixaram aqui nesta terra o gosto de eternidade na lembrança de suas boas ações.

Para finalizar, a Ascensão do Senhor deve nos tirar do torpor. Estamos ansiosos por uma mudança e ela virá com a nossa conformidade com Cristo, devemos agir como Ele. Vivemos esperando o dia de nossa vitória sobre a morte, quando também adentrarmos ao céu, mas queremos deixar um pouco de céu a este mundo. Cristo Ressuscitado e suas ações são a resposta! Uma música interpretada pelo Jota Quest, que não é de Igreja, tem uma lição muito bonita, que pode nos inspirar na nossa ação evangelizadora, e que com certeza trás sinais do Cristo Ressuscitado:

Vivemos esperando
Dias melhores
Dias de paz, dias a mais
Dias que não deixaremos para trás

Vivemos esperando
O dia em que seremos melhores
Melhores no amor
Melhores na dor
Melhores em tudo
Vivemos esperando
O dia em que seremos
Para sempre
Vivemos esperando, oh oh oh
Dias melhores pra sempre
Dias melhores pra sempre

Direitos da música: Dias melhores – Canção de Jota Quest


Frei Gabriel Dellandrea

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