Entrevista com a Ministra Nacional da OFS

Nos dias 15, 16 e 17 de setembro realizou-se o Encontro Nacional de Formação da OFS do Brasil nas dependências da Rede Santa Paulina, no Bairro Ipiranga, em São Paulo (SP). Lá foram tratados de diversos assuntos, entre eles a relação das fraternidades locais da Ordem Franciscana Secular com a juventude, inclusive através da atuação dos Animadores Fraternos. Aproveitamos a oportunidade – já que esses encontros presenciais não ocorriam desde 2017 – e pedimos à Zezé, nossa Ministra Nacional da OFS, para nos trazer um pouco da sua trajetória na OFS e algumas de suas percepções sobre a realidade da JUFRA e da Ordem Franciscana. Acompanhe a entrevista!

Quem é a Ministra Nacional da OFS?

Eu sou a Maria José Coelho, então Ministra Nacional, tenho 63 anos, sou solteira (venho de uma família de 5 irmãos: 2 homens, que casaram; e sou a mais nova de 3 mulheres, que nenhuma casou), sou natural do interior de São Paulo, mas moro em Campo Grande (MS) desde os 12 anos de idade. Sou professa na Fraternidade Nossa Senhora de Fátima, de uma paróquia capuchinha com o mesmo nome. Meus pais já são falecidos. Minha mãe era católica quando solteira, meu pai era de uma família evangélica (Presbiteriana); a minha criação foi toda evangélica, e eu fui para a Igreja Católica já adulta, por livre vontade. Trabalhei em uma pastoral da paróquia, na época, de apoio aos portadores de HIV; depois trabalhei muitos anos na Animação Vocacional. Estamos nessa missão, já no segundo mandato, e espero que eu consiga concluir com muito amor e com muita seriedade esse serviço que Deus me confiou e que os irmãos depositaram em mim essa confiança.

Quais serviços você desempenhou dentro da OFS até estar Ministra Nacional?

Entrei na OFS por convite de um frade e de uma irmã da fraternidade, e assim que eu professei (em fevereiro, e em março teve capítulo) eu fui Tesoureira da fraternidade, depois fui eleita Ministra, exerci a função de Formadora dos iniciantes; fui eleita Vice-Ministra Regional; no primeiro capítulo nacional que estive, fui eleita para o Conselho Fiscal, no segundo fui eleita Vice-Ministra, depois fui eleita e reeleita Ministra Nacional até agosto de 2025.

Com poucas palavras, apresente a Ordem Franciscana Secular aos jovens simpáticos aos valores franciscanos, sejam eles participantes ou não da JUFRA.

A Ordem Franciscana Secular existe há 800 anos, foi fundada por São Francisco, que era um nobre, e quando descobriu a vocação, ele quis viver de um modo radical, seguindo Jesus Cristo conforme o Evangelho, e a intenção dele não era nem criar fraternidades, mas ele foi seguido por muitos jovens da época e, resumindo a história, criou a 1ª Ordem. Santa Clara também foi uma seguidora dele; através do conselho dele, Santa Clara fundou as Clarissas, que é a 2ª Ordem. Muita gente gostaria de viver esta vida baseada no Evangelho segundo a vivência dele, aí ele criou a 3ª Ordem, que composta de muitas famílias, casais, jovens, que viram que não teria como fazer uma fraternidade mista com tanta gente. Nós somos uma Ordem regulamentada, com nossa regra própria, direcionada para leigos, homens e mulheres casados ou solteiros, jovens a partir dos 30 anos (porque até os 30 nós temos a Juventude Franciscana Secular). E nós vivemos esse carisma, que é tão bonito. Temos um período de iniciação, que a gente diz de “namoramento”, para conhecer um pouco da história de São Francisco, como é a nossa vida, e se a pessoa se sentir motivada para esse modo de viver, aí ela faz a sua inclusão dentro de uma fraternidade da Ordem Franciscana Secular, que tem no Brasil inteiro, e começa a sua vida evangélica fazendo a sua formação, até fazer a sua profissão, que você faz por toda a vida… E viver desse jeito humilde, e viver em fraternidade, principalmente com muito amor.

O Brasil é um país com feição de continente. Como é coordenar os trabalhos e direcionar pessoas com costumes tão diferentes e que têm realidades tão distantes culturalmente?

Realmente, o nosso país é muito grande, da América Latina é o maior, tanto em extensão quanto no número de fraternidades e no número de regionais. Hoje estamos divididos em 17 regionais, cada regional tem um, dois ou três Estados. Não é fácil coordenar uma fraternidade nacional com tantas diferenças que temos. Mas a gente não faz um trabalho sozinho, nós somos organizados em fraternidades locais, fraternidades regionais, e depois vem o Conselho Nacional, que mantém organizados esses regionais. Nosso trabalho é junto com os regionais, e os regionais junto com os locais. E a base de tudo nas nossas fraternidades, o que é mais importante, são as fraternidades locais, que pode estar em lugares distantes, como no Pará… Como a gente trabalha em equipe, o trabalho flui e a gente consegue coordenar tudo isso. E a gente está entre irmãos; entre irmãos a gente tem uma franqueza, conversa franca, puxando para a realidade da nossa espiritualidade, e a gente faz o trabalho. O que é mais gratificante, normalmente, para quem coordena as atividades tanto nas fraternidades locais até no nível internacional, é a paixão que a gente tem, o amor, o carinho que a gente cuida. Então não fica difícil, fica prazeroso. A missão é árdua, mas também é prazerosa. Importante também que estamos para servir os irmãos. Não é porque estou numa coordenação nacional que eu sou diferente do meu irmãozinho que está lá no interior, numa fraternidade local; somos todos irmãos, somos todos iguais perante Deus.

Estamos vivenciando o Ano Vocacional, que tem como tema “Vocação: Graça e Missão”. No texto que Dom Guilherme Werlang, bispo da Diocese de Lages (SC) – onde resido –, publicou no dia 24 de agosto deste ano, falando sobre a atitude do discípulo Felipe em falar de Jesus para Bartolomeu (Jo 1, 43ss), ele (Dom Guilherme) afirma categoricamente que “o papel do promotor vocacional é conduzir alguém até Jesus”. Qual a maior dificuldade de conduzir as pessoas para Jesus nos dias de hoje, principalmente o público mais jovem?

A promoção vocacional é um trabalho muito específico, muito desafiante nos dias de hoje. Existem muitos caminhos que “encantam” os jovens, mas tudo isso é muito passageiro. Essa busca incessante de uma própria identidade é muito angustiante na juventude de hoje. Pra gente levar Jesus para as pessoas a gente tem que estar com o coração muito aberto para Jesus, porque Jesus semeia (sabe a parábola do semeador?). Jesus joga a semente para todos, sem distinção. Ele ama tanto incondicionalmente a cada um de nós que tudo que Ele nos oferece, o faz na gratuidade. Nós que não acolhemos. A parábola do semeador é exatamente isso: Ele joga a semente em todos os cantos, em todos os lugares: no meio do caminho, no meio das pedras, no meio das ervas daninhas e joga em terra boa. Ele jogou em quatro vezes, em quatro tipos de lugar; 75% foi em lugar ruim. É o que acontece hoje. Nosso coração está tão fechado, tão endurecido, tão perdido, com tanta erva daninha, que a gente não deixa a semente boa germinar, e não deixa Ele entrar na nossa vida. O trabalho do promotor vocacional é mostrar Jesus, o quanto ele é bom, e cabe a nós decidirmos se a gente quer viver o Evangelho, esse Amor que Deus nos oferece, ou não. A promoção vocacional, vocação e missão, é mostrar o amor de Deus para as pessoas, de várias formas: através da palavra de Deus, de bons exemplos e dentro da nossa sociedade. Os jovens que são da JUFRA, por exemplo, trabalham muito isso – a Mãe Terra, buscar proteger o nosso bem mais precioso, a natureza (a água, o ar, o vento) – e através desse serviço você vai mostrando o quanto é importante a gente amar e respeitar, tanto nós, como seres humanos, como os animais, a natureza, tudo que é diferente daquilo que a gente acha que é diferente da gente.

Formar alguém é dar toda uma estrutura de conhecimento e abertura internos para ter onde colocar os bons ensinamentos que essa pessoa terá ao longo da vida, sejam eles de cunho religioso ou social – como se fossem as estruturas de um depósito para os tesouros que a vida nos proporciona através da convivência com o próximo. É fato que essa estrutura só se torna sólida quando se usa o material correto e é feita sua manutenção periódica. Sob esse prisma, como você visualiza a formação da OFS brasileira?

Nós acabamos de ter um encontro de formação. A gente conseguiu reunir a equipe de formação – que, como religiosa, está tomando parte, além da Promoção Vocacional, o JPIC (Justiça, Paz e Integração com a Criação), o SEI (Serviço dos Enfermos e Idosos), a Animação Fraterna (para a JUFRA), a JUFRA em si… São vários caminhos que você vai trilhando para você chegar numa consciência desta formação, que é a formação cristã e para a OFS. O que é diferente de uma vida cristã dentro do caminhar da Ordem Franciscana Secular é o nosso jeito de viver, nosso jeito simples, do jeito de São Francisco. A gente caminha de acordo com o nosso Pai Seráfico, que a gente tanto ama e tanto admira. A formação é um todo, é um contexto, principalmente de bons exemplos. É como criar um filho: você vai plantando uma sementinha todo dia, você vai corrigindo, você vai mostrando o caminho correto… Não é um seguimento, só; a formação é um contexto, é um conjunto de fatores que você consegue chegar ao seu objetivo final.


A OFS é uma instituição que tem sua história entrelaçada com a história do franciscanismo no mundo. A “releitura” da nossa Regra, aprovada por Paulo VI, há pouco completou 40 anos. É geral a leitura que as nossas fraternidades estão envelhecidas (e que é necessária uma contínua renovação), motivo pelo qual o serviço do SEI é cada dia mais solicitado e necessário. Ainda que tenha aumentado a expectativa de vida da população brasileira – hoje próxima à casa dos 80 anos –, como tornar o SEI mais atuante, criativo e efetivo na sua atuação?

O SEI, hoje, ele faz parte integrante da formação, como eu disse anteriormente. O irmão que está responsável por este serviço no Nacional está totalmente empenhado para que todos os regionais trabalhem em conjunto com as suas fraternidades locais, para que tenhamos um irmão responsável em cada fraternidade, em cada regional, no serviço do SEI. São muitas fraternidades que têm muitos idosos, e não é só isso. O SEI quer dizer Serviço aos Enfermos e Idosos. Nossos irmãos também estão doentes por alguma enfermidade, ou por algum problema de depressão… Esse serviço é de suma importância em cada fraternidade, para que a gente não abandone o nosso irmão; que, na correria do nosso dia-a-dia, da nossa vida social, não nos esqueçamos dos nossos irmãos que estão no SEI, seja pela idade, seja por algum tipo de enfermidade. Ele está na nossa prioridade, assim como a Promoção Vocacional e o JPIC.

O serviço da JPIC é relativamente mais novo – em sua nomenclatura e efetiva divulgação – do que os outros serviços de formação, e traz em sua abrangência um alcance bastante considerável. Em um período em que a Justiça não é a principal virtude, a Paz é considerada uma utopia e a Integração com a Criação (mesmo sob a influência e “instrução” do documento “Laudato Si”) ainda é vista por algumas pessoas como uma ameaça, como estabelecer uma vereda de solo firme da “selva” que vivemos até uma sociedade que aplique efetivamente estes princípios?

O JPIC é um clamor da Igreja Católica, não só da OFS, é um clamor para todos nós, o grito da “Laudato Si”. O Papa Francisco tem chamado muito a atenção sobre isso, não só para o franciscano, mas também principalmente para o franciscano, que deveria estar empenhado… A gente encontra franciscanos, tanto da Primeira Ordem como da Terceira, muito empenhados no trabalho da Justiça, da Paz e da Integração com a Criação. É urgente, isso é pra ontem. A gente está vendo o que está acontecendo ultimamente no mundo. Se a gente não gritar por isso, se não exigir políticas públicas que defendem, que protegem a vida, a natureza, vai ficando cada dia mais difícil. E a gente não vai desistir, a gente vai estar brigando sempre. Se cada um fizer a sua parte, isso vai chegando no macro. Isso é muito importante. E nós estamos muito empenhados pra que todos ouçam esse grito que a natureza está dando, e nós vamos continuar lutando por isso.

Deixe sua mensagem à juventude que cultiva o carisma franciscano.
A juventude franciscana é a menininha dos meus olhos, e é uma esperança muito grande que a coloca na juventude franciscana. O jovem, com todo o seu vigor, com a sua inquietação… colocar essas duas virtudes no caminho da Paz, da Integridade da Criação, da defesa da vida. Pra renovação das nossas fraternidades (falávamos das nossas fraternidades envelhecidas, dos doentes do corpo e da alma, desistindo de lutar), não podemos perder esse vigor franciscano, esta luta que nós temos para viver numa sociedade mais justa, mais coerente, mais tranquila… É a aposta que a gente tem na juventude. Não estou pondo responsabilidade na juventude – não é isso, é responsabilidade de todos nós –, mas eu acredito muito nesta juventude. Eles são muito organizados, muito imbuídos, e lutam juntos, de mãos dadas… É muito bonito ver a juventude franciscana caminhando, lutando e se organizando, com todo o vigor, sem perder a ternura, sem perder o carinho, o amor uns pelos outros… Quando a gente fala “brigando”, brigando no bom sentido, lutando pelo Bem Comum. Juventude Franciscana, vocês sabem que vocês têm sempre o meu apoio, independente que eu esteja como Ministra Nacional ou quando eu esteja, como irmã fraterna, lá na minha fraternidade local, vocês sempre podem contar comigo. Paz e Bem!… e força!

Um abraço fraterno,

Leila Denise

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