“Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8)
Quando participava, nos anos noventa, do movimento franciscano “Escola em Busca do Ser”, o saudoso franciscano conventual Frei Antônio Cordioli me abriu um horizonte que eu não tinha explorado, especificamente, sobre essa Bem-aventurança: quem é puro de coração consegue ver Deus em qualquer uma das suas criaturas.
É muito fácil pensarmos na preservação da criação de Deus como “continuidade das espécies” – fauna e/ou flora –, mas até que ponto pensamos na preservação dos povos originários (sejam indígenas, ribeirinhos ou qualquer outra nomenclatura), suas culturas e tradições?
A Amazônia é uma grande manifestação do amor de Deus nos dias de hoje. Ela, uma das poucas florestas originais da Terra que – ainda que “respirando por aparelhos” – resta viva, com significativas áreas de natureza preservada e intocada, apesar dos avanços do homem no desejo de dela se apossar e a “transformar para o progresso”, mostra a todos nós como uma área nativa pode abrigar, alimentar, curar e significar tanto para os povos originários que nela estão inseridos.
Houve um tempo em que o governo brasileiro (e falo do Brasil porque lembro de ter ouvido sobre isso nas aulas de História e Geografia) convidou cidadãos para que largassem a sua terra – em outras partes do Brasil – e fossem “desbravar” e povoar terras até então “intocadas”. Para essas pessoas, sob certas condições, era-lhes concedidos os títulos de propriedade da terra, e elas teriam o direito de utilizar essas terras e os bens que sobre ela vivessem da forma que melhor lhes aprouvesse.
Cresci ouvindo a insistente afirmação que “a Amazônia é o pulmão do mundo” – pois havia algumas poucas vozes, estridentes e desafinadas aos ouvidos dos anos oitenta, que já alertavam para a necessidade da sua preservação e a de seus povos (ainda que se acreditasse que ela era muito grande para “se acabar”).
Há pessoas que, nos dias de hoje, estão largando suas cidades, suas raízes, e partindo para a região amazônica para auxiliar na orientação para a preservação e para estar mais próximo daquela realidade para poder anunciar e denunciar tudo o que é necessário neste momento, porque acreditam na importância da manutenção da floresta e das condições por ela propiciadas para a vida de cada um de nós.
Não há como eu não me questionar neste momento, tendo presente que estou a alguns milhares de quilômetros distante da Amazônia Legal: “O que eu posso fazer para ajudar na preservação da Amazônia, para que as suas ‘feridas’ não aumentem ainda mais?”
O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Pós Sinodal “Querida Amazônia”, nos fala sobre o seu ponto de vista de fé e como gostaria de ver essa região sendo vivenciada:
“6. Tudo o que a Igreja oferece deve encarnar-se de maneira original em cada lugar do mundo, para que a Esposa de Cristo adquira rostos multiformes que manifestem melhor a riqueza inesgotável da graça. Deve encarnar-se a pregação, deve encarnar-se a espiritualidade, devem encarnar-se as estruturas da Igreja. Por isso, nesta breve Exortação, ouso humildemente formular quatro grandes sonhos que a Amazônia me inspira: 7. Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida. Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana. Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos. “
É através da pureza do nosso coração, exercitando nossos bons sentimentos e nosso olhar de misericórdia para o nosso “próximo” “irmão” da Amazônia que poderemos sonhar com uma Amazônia menos machucada, mais cuidada e preservada, que propicia a seus habitantes condições dignas de vida, com acesso à saúde e aos avanços tecnológicos, porém sem perder sua essência cultural e/ou religiosa, com respeito à vivência de Deus, do Sumo Bem, da forma que cada um lhe entende ser a mais apropriada.
E aí, jovem, como está a pureza do seu olhar e do seu coração?
Leila Denise