“O que sai da boca, procede do coração” (Mt 15,18)

Meu pai sempre conta que a avó dele costumava lhe dizer repetidamente esta frase (com outras palavras), e isso o marcou muito.

Havia o entendimento que o coração seria onde se guardavam os ensinamentos mais preciosos e os sentimentos mais verdadeiros da alma de cada ser humano – ou, como outros gostam de expressar, o “vivido” de cada um.

Passamos momentos em nossa história recente onde era difícil até a possibilidade de dialogar entre diferentes entendimentos, onde era sofrível a convivência entre pessoas com opiniões divergentes (não necessariamente antagônicas) – ainda que, em alguns casos, essas mesmas pessoas coabitassem sob o mesmo teto.

Também tem sido comum vermos notícias de ataques, por diferentes formas e motivos, físicos, verbais e/ou digitais, a outras pessoas, de convivência próxima ou estranhas, em locais públicos ou privados.

Trouxe tudo isso para lembrar que, se não em todos, na maioria dos casos, entendo que faltaram pelo menos dois sentimentos e atitudes indispensáveis para a convivência em sociedade: a tolerância e o respeito com o diferente do que se é ou se sente ser.

Ao contrário de alguns, me parece que as pessoas, a exemplo de quando estão embriagadas ou entorpecidas, demonstram sua verdadeira natureza nestes momentos, sem a ação do que hoje comumente se designa de “filtro” – visto em sua forma mais primitiva embalada pela paixão de causas que, ao gosto de cada ser, são importantes para cada um, como o seu time do coração.

Por muitas vezes, ao vivermos apaixonadamente e sem medidas esse “amor”, ultrapassamos a barreira do direito do outro, desrespeitando e não tolerando o que diverge entre nós e quem o manifesta. E é inevitável lembrar, mais uma vez, da piada do freizinho: “O ‘dar a outra face’ sob o exemplo de Santa Isabel da Hungria.

É gratificante e esperançoso perceber, que no meio de tantos sentimentos e atitudes que colocam negativamente em evidência as diferenças existentes, ainda haja pessoas que exercitam a empatia, que pacientemente abrem mão momentaneamente de suas convicções para tentar entender os motivos e sentimentos do outro, que exercitam o Amor e a Misericórdia (assim mesmo, com letras maiúsculas) vivenciados pelo Cristo quando esteve habitando esta Casa Comum na condição humana.

O Francisco de hoje, assim como o Francisco de oitocentos anos atrás, nos lembra da importância que devemos ter com trato e na convivência com o outro:

“O outro não é só um ser que devemos respeitar em virtude de sua dignidade intrínseca, mas sobretudo um irmão ou uma irmã que devemos amar. Em Cristo, a tolerância transforma-se em amor fraterno, em ternura e solidariedade ativa. Isso é válido principalmente em relação aos mais pequeninos de nossos irmãos… E quando Jesus dizia aos Doze: ‘Não seja assim entre vós’ (Mt 20,26), não se referia somente ao domínio dos chefes das nações em relação ao poder político, mas a todo o ser cristão. De fato, ser cristão é uma chamada a ir contracorrente, a reconhecer, acolher e servir o próprio Cristo descartado nos irmãos“. 

Discurso do Papa Francisco aos participantes na Conferência Mundial sobre o tema “Xenofobia, Racismo e Nacionalismo Populista, no Contexto das Migrações Mundiais”, Sala Clementina, 20/09/2018.

E a pergunta que deixo hoje a você, no pleno exercício da nossa Quaresma, que não quer calar no meu peito: “Alimentando seu amor pelo próximo, você vivencia seus sentimentos e convicções de forma tolerante e respeitosa com os que são e pensam diferente de você?”

Boa reflexão!


Leila Denise

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