“Bem-aventurados os promotores da Paz, porque serão chamados Filhos de Deus” (Mt 6,9)

Minhas lembranças reportam que meu primeiro contato com as “Bem-Aventuranças”, se deu em um Concurso Bíblico promovido pela minha escola pública e administrada pelas Irmãs Franciscanas da Sagrada Família, em 1983, e que tinha por objeto de estudo, aos alunos, os capítulos 5, 6 e 7 do Evangelho de Mateus, trecho popularmente conhecido como “Sermão da Montanha”. Minha equipe não conseguiu ganhar a competição, mas ficou gravada a beleza e a profundidade desses ensinamentos em minha mente.

Mais tarde, tive oportunidade de estudar detalhadamente o tema, participando da “Escola Em Busca do Ser”, movimento fundado pelo franciscano conventual Frei Lívio Panizza, inicialmente direcionado a religiosos – já que a quinta fase é o estudo das “Bem-Aventuranças”.

Importante salientar que há traduções que usam a expressão “pacíficos”; porém, para melhor explanar meu ponto de vista, vou usar a expressão “promotores da Paz”, pois a expressão “pacíficos” pode passar uma ideia de passividade, de inatividade, e não de ação. Especificamente sobre esta bem-aventurança – “Bem-aventurados os promotores da paz, porque serão chamados Filhos de Deus” (Mt 6,9) –, nas reflexões, uma das linhas apresentadas, mostra que a promoção da paz é uma atividade vivenciada através do Espírito Santo, pois é a prática do amor e da misericórdia que a torna possível.

Nas missas, faz parte do rito a “Oração da Unidade”, que se inicia com uma citação que fala da paz: “Eu vos deixo a paz, Eu vos dou a minha paz” (João 14,27). E não é à toa que essa oração se inicia pedindo paz, pois não é possível a unidade da comunidade cristã ocorrer sem paz. São Francisco de Assis, em sua oração mais difundida, inicia pedindo “Senhor, fazei-me instrumento de vossa Paz” – e também, não à toa, reconheceu, através da unidade familiar do Pai, que “somos todos irmãos”, além de vivenciar essa verdade com todas as implicações que isso pode trazer.

Também não se pode esquecer do exemplo que São Francisco nos deixa, ao procurar o sultão Malek Al-Kamel, há mais de oitocentos anos, para dialogar, durante a 5ª Cruzada – diálogo este que viabiliza a permanência dos franciscanos na Terra Santa até os dias de hoje…

Na regra da OFS, ainda, no artigo 19, São Francisco de Assis é taxativo: “Como portadores de paz e lembrando-se de que ela deve ser construída incessantemente, procurem os caminhos da unidade e dos entendimentos fraternos mediante o diálogo, confiantes na presença do germe divino que existe no homem e na força transformadora do amor e do perdão.”

Minha pergunta, hoje, é: “Qual é a paz que eu promovo como cristã?” 

Percebo que minhas atitudes nem sempre são aquelas que promovem a paz, mas que “apagam incêndios com gasolina”; minha postura nem sempre é de diálogo, mas, belicosa, às vezes provoca e desperta o que tem de menos agradável em quem me cerca; ainda, nem sempre exercito a tolerância em relação a quem diverge das minhas opiniões…

Mas minha busca é diminuir, a cada dia, a cada atitude, a cada pensar, a influência de tudo aquilo que me faz afastar a Paz de Cristo no meu viver. Tenho consciência que disso depende um mundo que eu quero que seja melhor – e nada disso melhora se eu não começar por mim mesma…

Este é um tema tão importante que o Papa Francisco, que no último dia três de outubro, publicou a encíclica “Tutti Fratelli” (“Todos irmãos”, em tradução livre). Ao lê-la, tive a nítida impressão que este Francisco é tão preocupado e comprometido com a unidade dos cristãos quanto aquele Francisco que ainda hoje nos inspira a darmos ao mundo e aos irmãos o melhor de nós…

Que todos nós, cristãos e/ou franciscanos, nos sintamos inspirados pelo “Pai Seráfico” a possibilitar a presença da Paz de Cristo em nossas vidas e, ainda que exista diferenças e erros de parte a parte, tenhamos o discernimento para viabilizar a implementação do diálogo e a manutenção da unidade da vivência e da pregação, em atos e palavras, dos ensinamentos que o Cristo nos deixou.

Fraternalmente,

Leila Hack

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