Embora possa parecer contraditório, falar de São Francisco de Assis e da juventude é, ao mesmo tempo, falar sobre “devagar” e “de repente”. E isso podemos identificar através da vivência do próprio Cristo.
O povo judeu esperou por muitos séculos um salvador prometido por Javé. Cristo chegou ao mundo durante uma viagem, e o lugar onde nasceu foi improvisado: uma estrebaria. Durante três anos falou e viveu entre o povo, movimentando multidões; de uma hora para outra, o homem que teve uma recepção de rei em Jerusalém se viu pregado na cruz e o povo se sentiu momentaneamente órfão da sua presença.
Abro um parêntese aqui para pensar no sentimento daquele leproso quando foi beijado. Ele não podia sequer falar com qualquer pessoa… Imagine, então, a alegria e a emoção de ser beijado, depois de tanto tempo… Não há referências sobre quem era esse leproso antes da doença: homem, mulher, criança, velho, rico ou pobre. Acredito que ele possa ter se sentido, como cada um de nós, que ficou privado do abraço e do convívio das pessoas que amamos durante a pandemia, só que por mais tempo…
Voltando ao nosso jovem Francesco, um jovem líder da cidade de Assis, sentiu sua vida mudar de interesses. As posses de seu pai já não o satisfaziam; ao contrário, ele as sentia como empecilho para sua relação com o Pai.
Assim, num ato por muitos considerado como insano, começou a distribuir os bens de seu pai. Preocupado, Pietro Bernardone foi procurar o bispo. Culminando a renúncia a todo o poder transitório que possuía o comerciante, Francesco se despe da herança do pai terreno e, reconhecendo sua condição primeira de filho de Deus, abraça a herança do Pai Celeste.
Importante, agora, fixamo-nos na vocação de Francesco, hoje São Francisco de Assis, e com ela fazermos um paralelo com os jovens destes tempos conturbados e controversos.

Temos contato com o amor de Deus desde a concepção, que nos dá a graça da vida, independentemente de como ela é gerada – com amor, com violência, com interesses, com problemas de saúde– mas somente fomos formalmente apresentados a ele, recebidos na Igreja, através do batismo. Esse amor terá o tamanho do cuidado e do cultivo que cada indivíduo (e do meio que o cerca) e da fé, também graça de Deus, que o alimenta.
Ainda que a fé seja graça de Deus, ela não se cria em um “ato mágico”. Há um processo de aceitação, maturidade e fortalecimento para que aceitemos e identifiquemos a nossa vocação, o caminho que escolheremos a maneira que colocaremos essa fé a serviço da comunidade.
Essa dúvida sobre a vocação também existe, ainda hoje, na maioria da nossa juventude. Assim como no tempo de Francisco, títulos de nobreza e posses materiais são muito valorizados e levam a sociedade, através deles, a mensurar o grau de importância e relevância que podemos ter para o mundo.
São Francisco vem, através de seus atos, explicar àqueles jovens que o seguiram e também a nós que nossas atitudes e nossa fé podem ser muito mais expressivas que quaisquer bens que possamos coletar ou administrar. Se, falando, encantou aos que o escutarem, ficando em silêncio, levou milhares a seguirem seu exemplo penitente – o que, ainda que tenha morrido precocemente, presenciou em vida – , renunciando às conquistas materiais e buscando os ensinamentos daquele jovem de Nazaré que, crucificado, ensinou e viveu o amor e a misericórdia.
A vocação franciscana, ainda, nos propicia a experiência de vivenciar os ensinamentos do Evangelho de Jesus Cristo sob o exemplo de São Francisco de Assis, o penitente visto por Inocêncio III em sonho, há cerca de oitocentos anos, como um homem capaz de sustentar a Igreja sobre os ombros.
O exemplo franciscano do cristão que acredita no amor e na misericórdia, ainda hoje, arrasta multidões de jovens mundo afora. Como dizia o Padre Zezinho, “eles são a consciência do povo”, lembrando-nos da importância dos cuidados propalados por outro Francisco, o Papa, com a “Casa Comum” não só no hoje, mas no “cada dia”, em cada ato, no respeito com cada ser vivo que temos contato em nossa vida.
Ah, e sobre o Papa Francisco, vale lembrar uma frase dita na Jornada Mundial da Juventude no Brasil em 2013, que muito bem se adequa ao exemplo de São Francisco de Assis: “Na Cruz de Cristo, está todo o amor de Deus, a sua imensa misericórdia. E este é um amor em que podemos confiar, em que podemos crer. Não há cruz, pequena ou grande, da nossa vida que o Senhor não venha a compartilhar conosco”.
E mais, este Papa que escolheu ser o primeiro Francisco entre os Papas, ainda lembra aos jovens voluntários do mesmo evento sobre o caminho a ser seguido: “A todos Deus nos chama à santidade, a viver sua vida, mas tem um caminho para cada um”.
Que cultivemos o amor e a misericórdia através do exemplo de São Francisco de Assis tão de repente como o fogo incendeia e que o efetivemos em nossas vidas devagar e permanentemente para que possamos deixar marcas da presença de Deus pelo caminho por onde passarmos.
Fraternalmente,
Leila Hack