A Quaresma como “Cantinho do Pensamento”

Frei Gabriel Dellandrea, OFM*

Nas últimas férias eu pude observar o meu irmão e minha cunhada inovando nas suas artimanhas para educar minha sobrinha de dois anos e meio. Nas ocasiões que ela estava levada, fazendo birra ou precisando de uma correção, eles já a transportavam para um lugar específico: o cantinho do pensamento. Neste espaço, eles faziam uma conversa com ela, explicando as coisas que ela tinha feito que não eram boas e mostrando o que era certo fazer. Muitas vezes ela entrava no tal “cantinho” emburrada, chorando ou magoada, e de lá saia sorridente e pedindo desculpas se fez algo de que magoou alguém.

Assim, logo percebi que o período quaresmal iniciamos hoje é também como que um “cantinho do pensamento” do ano litúrgico. Neste período de tempo ouvimos a voz do apóstolo Paulo que nos convida: “deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20). Desse modo, tendo em vista que precisamos bem nos preparar para celebrarmos a Páscoa, a Igreja nos oferece a Quaresma com seus convites à conversão, à penitência, à reconciliação – eles são formas concretas de nos recolhermos, ouvirmos o Senhor e fazer a experiência da Vida Nova.

Desse modo, por vezes entramos no tempo quaresmal como a minha sobrinha. Magoados, tristes, fazendo birra, chorando (especialmente neste ano de pandemia, onde nossa vida foi tão transformada). Sim, temos coisas que precisamos rever em nossa vida e que deixamos para depois. Porém, a Quaresma é o tempo de não deixar para outro momento: chegou a hora da reconciliação. Ali, no “cantinho do pensamento” do ano litúrgico, numa conversa fraterna com o Pai, numa experiência de desejo de conversão, de acertar na penitência, saímos revigorados para sempre mudar de vida, a fim de vivermos melhor nosso Batismo. Assim, numa experiência bonita, somos capazes de sair do “cantinho do pensamento” perdoando, amando mais o próximo e nos reconciliando com Deus.

Percebemos, desta forma, que o tempo propício de fazer penitência é muito bom. Essa palavra, penitência, por vezes a temos como algo pesado, assim como o “cantinho do pensamento” pode parecer assustador para a minha sobrinha num primeiro momento. Mas ali, nesse exercício penitencial, nos damos conta que fazê-lo é algo bom, pois nos aproxima de Deus; assim como o tal cantinho aproxima a minha sobrinha daquilo que é melhor para ela. Porém, sabemos que é doloroso aceitar ir para o cantinho, rever nossas posturas. Mas só assim, morrendo para nosso egoísmo, é que Deus pode fazer maravilhas em nós, pois assim terá espaço em nosso coração.

Mas o convite quaresmal ainda é mais exigente: não à hipocrisia! Na primeira leitura da Quarta-feira de Cinzas o Senhor nos pede pela voz do profeta Joel: “rasgai o vosso coração, e não as vestes” (Joel 2, 13), num pedido concreto de que não sejamos superficiais em nossas penitências. No Evangelho de Mt 6,1-18, o convite se torna ainda mais claro e plástico, ao observarmos que em nenhum dos três movimentos quaresmais – jejum, oração, caridade – deveremos fazer algo para que os outros vejam, mas o Senhor deverá conhecer a intenção do nosso coração e o nosso agir.

Assim, fica o convite para vivermos uma penitência autêntica, que nos faz pessoas melhores. Há quem, por exemplo, deixa de beber bebidas alcoólicas nesse período. Mas de nada adiantará depois “encher a cara” na Páscoa, tendo a “consciência tranquila” que só cumpriu o preceito por 40 dias. O costume de fazer uma penitência na quaresma não pode ser “pra cumprir tabela”. Há quem deixa o cabelo crescer, mas só para cumprir uma penitência, sem de fato fazer uma reflexão oportuna de, por exemplo, deixar de ser vaidoso. Por isso, o tempo bom da penitência nos convida a exercícios concretos que nos levarão a um bom aproveitamento desse tempo de conversão. É rasgar o coração diante de Deus, pedir perdão e recomeçar, vencendo o egoísmo, o ódio, a intolerância religiosa, o preconceito, o racismo, a cultura de ódio, o movimento das Fake News que nos circundam. Eis algumas dicas para viver bem o “cantinho do pensamento do ano litúrgico”:

Foto: Frei Gabriel Dellandrea, 2021

– faça um momento de oração silenciosa e apresente a Deus o seu desejo de conversão;

– procure uma penitência que seja ao mesmo tempo corajosa, ousada; e também possível de ser realizada diante de suas forças.

– observe sempre se uma penitência pode lhe fazer uma pessoa melhor e também fazer o meio que você vive um lugar melhor;

– a CNBB orienta os cristãos a refletirem sobre a Campanha da Fraternidade e seus temas. É um momento oportuno de se deixar confrontar sobre a conversão social que este movimento convida;

– procure o Sacramento da Reconciliação não como preceito a ser cumprido somente, mas como ocasião de receber o misericordioso abraço do Pai;

– caso você não consiga ser fiel em sua penitência, não desanime e não desista. Reveja aquilo que quis fazer como projeto de conversão, faça algo mais simples que poderá lhe conduzir a algo maior, se for preciso. Lembre-se: ‘faça poucas coisas, mas as faça bem’!

– caso você opte por um jejum, é conveniente que todo o valor “economizado” com ele seja revertido como caridade aos mais necessitados;

– participe da vida de sua comunidade na medida do possível;

– procure meditar a Via-Sacra contemplando na cruz de Cristo a cruz de todos os sofredores de hoje;

Quando sairmos do “cantinho do pensamento do ano litúrgico”, a Quaresma, possamos estar como a minha sobrinha: voltando no colo do Pai, com a alegria de ter sido amado (a) mesmo nas falhas, e com a esperança da Vida Nova que brota da experiência pascal! Frei Gabriel Dellandrea,

* Natural de Rodeio (SC), Frei Gabriel Dellandrea atualmente cursa o 7º período de Teologia no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ), e reside na Fraternidade Franciscana Nossa Senhora Mãe Terra de Imbariê, Baixada Fluminense (RJ).

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