Consumo Consciente

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Esses dias experimentei algo novo: entrei no site dos Correios e fui em busca daquela campanha de Natal das “Cartinhas ao Papai Noel”. Pensei: vou procurar alguma cartinha e ver se tenho possibilidades de adotar alguém esse ano. Selecionei a região desejada e para minha surpresa encontrei pedidos um tanto quanto inesperados. Eram em sua maioria celulares e tablets. Isso mesmo, crianças de três, quatro ou cinco anos pedindo celulares e tablets para o querido velhinho. Me questionei: para qual direção o mundo está caminhando? As crianças de hoje estão desejando bens de alto valor, querem um entretenimento onde poucas vezes tem a oportunidade de serem protagonistas? Essas crianças tem noção do valor daquilo que elas almejam? Se as crianças agem assim, certamente são influenciadas por atitudes de seus pais, pelo comércio, pela mídia… Pela sociedade do consumo.

Em janeiro deste ano, no primeiro texto que escrevi ao Conexão Fraterna, provoquei uma reflexão próxima ao assunto tratado aqui neste mês. “Ecologia social para quê?” reflete um pouco das causas e nosso posicionamento sobre o assunto. Neste ano atípico tivemos a oportunidade de nos conectar com nosso essencial, avaliar o que realmente importa e o que de fato precisamos para viver. Mas será que mudamos nossa percepção sobre consumo?

Pensando neste tema, não poderia deixar de chamar pessoa melhor para falar sobre do que minha grande amiga Mariana Cassiano. Ela que, diretamente de Nilópolis para o mundo, participou como jovem representante da Juventude Franciscana pela Província Franciscana da Imaculada Conceição do evento “A Economia de Francisco e Clara”, provocado pelo Para Francisco, com intuito de repensar a economia global, principalmente em atenção aos mais necessitados. O encontro que foi postergado pela pandemia aconteceu por meio virtual neste mês de novembro e tivemos a oportunidade de ver algumas direções que a humanidade pode caminhar com intuito de avançar para uma sociedade mais igualitária. Para isso, é importante também refletir sobre nossa forma de consumir.

Mari Cassiano representou os jovens da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil no encontro “Economia de Francisco e Clara”

MARI ROGOSKI: Qual a relação que você consegue fazer com o evento Economia de Francisco e Clara, com esse tema do consumo consciente?

MARI CASSIANO: Todas as possíveis. A Economia de Francisco e Clara nos motiva a olhar para a economia e o consumo a partir de uma relação de bem viver construída com base na solidariedade, empatia, cuidado com a casa comum e práticas de bem comum. A Doutrina Social da Igreja nos aponta esse norte quando propõe que uma economia para a vida (bem-estar) só tem sentido quando é orientada para um desenvolvimento pleno, global e solidário de todo ser vivente. Quando pensamos na palavra consumismo nos vem a cabeça a ideia de progresso. “Uma sociedade consumista é uma sociedade que progride mais”. Nos equivocamos ao pensar assim, pois a sociedade só progride economicamente quando há o desenvolvimento total do homem e isso só ocorre quando construímos políticas de bem viver que coloque o homem no centro das relações e não o dinheiro.

MARI ROGOSKI: Você pensa que o jovem brasileiro tem consciência do quê e por quê consome?

MARI CASSIANO: Acredito que esse cenário esteja ganhando forma e força agora, mesmo que não em sua totalidade, mas a sociedade civil, principalmente grupos de jovens começam a se interessar por política e economia, e esse interesse favorece o questionamento. Só questionamos aquilo que entendemos. É assim que a consciência acerca do consumo exacerbado começa a ganhar força junto aos jovens, pois eles se sentem mais parte do processo de construção e decisão econômica do seu país e decidem partilhar todo esse conhecimento com os demais. Penso isso, pois é muito difícil exigir de um jovem periférico, por exemplo, que pouco teve acesso à pesquisa e informação que ele não pode ter um dinheiro e gastar da forma como ele bem entende com ele mesmo. Seria até injusto, pois a sociedade já é desigual o bastante para privar os jovens de saciar as suas vontades, desejos e sonhos. Entretanto, acredito que a nossa função social como jovens imersos em um país desigual seja de instruir, gerar espaços de discussão, promover o diálogo e principalmente a escuta com o objetivo de mostrar práticas de bem viver e de solidariedade.

MARI ROGOSKI: Quais as mudanças de atitude que podem ser propostas a partir das discussões já realizadas na Economia de Francisco e Clara?

MARI CASSIANO: Basicamente os três pilares da Doutrina Social da Igreja: a busca pela dignidade da pessoa humana, o bem comum e a prática da solidariedade. Além dessas três acredito que todos concordemos que a encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco nos faz anexar a estas mais uma, o cuidado com a casa comum. São essas atitudes que corroboram para uma verdadeira prática da Economia de Francisco e Clara em nossas vidas, pois é à luz de Clara e Francisco que o despojamento acontece. Nos esvaziamos de nós mesmos e passamos a viver em prol do outro. Isso não quer dizer que passaremos a nos anular como seres humanos com desejos e sonhos, mas passaremos a enxergar beleza na vida quando, em comunhão, nos unimos pelo bem e pela felicidade de todas e todos. Essa pratica só é possível quando começarmos a denunciar as ausências do Estado na vida da sociedade. A fome, a morte, as desigualdades, a falta de oportunidade, emprego e motivação. Não podemos fantasiar relações, precisamos assumir uma posição ilibada, ao lado dos mais pobres e marginalizados promovendo espaço para que eles falem, para que eles gritem, suas dores e seus desejos. Ninguém é feliz economicamente passando fome, e é essa nossa função: uma Igreja de denúncia e de amparo.

MARI ROGOSKI: Nós jovens franciscanos podemos ser exemplos para tantos outros diante do nosso jeito de nos relacionarmos com dinheiro, com consumo de modo geral. Você acredita que estamos prontos para assumir tal posicionamento?

MARI CASSIANO: Temos como exemplo o maior de todos, não é? Francisco de Assis, nu na frente de todos se despojou do mundo em favor dos que mais precisavam. Também nós, franciscanas e franciscanos somos convidados a esse despojamento. Nosso jargão “Paz e Bem” nos convida a assumir o desejo da Igreja em servir preferencialmente os mais pobres; logo, creio que sim, estamos prontos! Mas precisamos ter humildade em ouvir e em praticar o que de fato é uma cultura de paz e bem. Com muita alegria e festa, mas também com muita certeza e luta. Se assumimos um lato precisamos ir até as últimas causas desse Evangelho que veio para a vida e vida em plenitude.

MARI ROGOSKI: Qual a mensagem que você deixa para nós como resultado das discussões que você já viveu na Economia de Francisco e Clara e de suas experiências de vida?

MARI CASSIANO: Lutem por uma educação emancipadora sempre. Pensem a partir do chão em que pisam. Mudem a sua realidade. Construam o diálogo. Lutem por espaços comuns de solidariedade e bem comum. Não parem de caminhar nunca. Não aceitem as migalhas que o Governo dá e nem se calem perante as injustiças do mundo. Acreditem nos seus sonhos e os tornem realidade. Uma nova economia é possível, e ela começa a partir das nossas relações. Entre nós e com o mundo. Paz e bem.

Ao final, façamos a reflexão debruçados sobre o primeiro parágrafo da Regra Não Bulada, escrita por São Francisco e pautada no Evangelho. Esse trecho pode nos ajudar decidir quais serão nossas decisões sobre o ato de consumir que quero ter, neste final de ano, no decorrer de nossa vida e às nossas futuras gerações.

Paz e bem!

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