A Quaresma em tempos de COVID-19

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São Francisco de Assis um dia retornando para Santa Maria dos Anjos, chamou Frei Leão para ensinar o que é a Perfeita Alegria. Naquele diálogo surgiram reflexões profundas sobre nosso relacionamento com Deus, conosco mesmos e com o próximo. Há inúmeras reflexões a serem feitas sobre cada trecho do Fioretti, mas quero me ater ao último, em especial. A música franciscana “Perfeita Alegria” escrita por Frei Luis Carlos Susin diz assim:

“E Frei Leão, se for Deus que tal faz, que nos deixa na noite e na cruz, se entendermos que este abandono imita Jesus. E se nós diante da porta fechada, sob a noite e a neve que cai, conservarmos a paz, isto é a perfeita alegria”.

Vivemos num tempo de incertezas, mais do que nunca, mais do que qualquer um poderia imaginar. Um vírus que atinge a humanidade, que mata e deixou o homem vulnerável e mostrou sua humanidade. Seu inabalável controle de tudo foi desestabilizado. A economia passa por uma recessão internacional e a geração de renda está sendo ressignificada. As pessoas têm experimentado cada vez mais a vivência comunitária, com a partilha e ajuda aos que mais precisam, estímulo aos pequenos empreendedores, cortes aos grandes empresários. O Covid-19 chegou sem escolher classe social, gênero ou religião. Um vírus que chegou e tem mudado muita coisa. 

A passagem da Perfeita Alegria tem ressoado muito em meus dias. Quanto tenho permanecido em paz, conectada com Deus e na alegria da confiança na ressurreição de Cristo durante esses dias de pandemia?

Todos já estão saturados de informações sobre o vírus. O noticiário relata exclusivamente dados sobre o novo coronavírus, nossas redes sociais estão fartas de alertas e recomendações, além de teorias da conspiração que crescem cada vez mais. Nossos debates são sobre a postura do governo do país x ou y, e o futuro que cada brasileiro, cada ser humano está. Aprendemos a higienizar nossas mãos, nossos ambientes e passamos a não nos tocar, e talvez esta deve ser a mais difícil para nós brasileiros. Mas fica a reflexão, quanto estamos dispostos a aprender a cuidar de nossas emoções, nosso espírito e nossa mente durante este tempo?

Diante disso, as pessoas têm voltado seus corações a Deus de uma maneira muito bonita e inédita. As redes sociais têm partilhado momentos de oração, as famílias realizando celebrações em casa, as emissoras de TV católicas aumentando a audiência, dobrando em alguns casos. Uma quarentena acontecendo em plena quaresma. E dia após dia os olhares do mundo se voltam para o Vaticano, para as palavras e gestos de um Papa chamado Francisco.

Foto: Vatican News

A tarde do dia 27 de março de 2020 ficará marcada na história da Igreja e da humanidade. Anoitecia, chovia na Praça São Pedro no Vaticano. Um homem mancava em direção ao púlpito e dali lançou ao mundo palavras de esperança. Uma homilia linda, talvez a mais linda que meus ouvidos vão escutar na minha vida, ouso dizer. O mundo parou para escutá-lo. Das lindas palavras, quero aproveitar o espaço para partilhar, dois pequenos trechos:

“Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor.”

(…)

“«Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Queridos irmãos e irmãs, deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela-do-mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: «Não tenhais medo!» (Mt 14, 27). E nós, com Pedro, «confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós» (cf. 1 Ped 5, 7).”

Foto: Vatican News

Eu me emocionei ao assistir, chorei ao reler. Deus está conosco e não nos desampara em momento algum. Não tenhamos medo, fomos salvos pela Cruz de Cristo, Ele é nossa esperança! Nele encontramos alegria de viver, amor do Deus criador e consolador. Vamos confiar nosso coração em suas mãos e repousar em seu colo. Ele vem em nosso socorro, estejamos entregues a esse consolo. Que ânimo dado a nossas vidas, que esperança para humanidade. Que graça termos o Papa Francisco como chefe da Igreja durante esse tempo. A benção Urbi et Orbi foi de Roma para o mundo, chegou a minha casa e deve ter chegado a sua também.

Convido você a sentir essa experiência de profunda oração e de sentir estar no colo de Deus, através da leitura da homilia completa aqui.

Papa Francisco tem nos ensinado a rezar e a confiar nesse barco de Jesus diariamente. Suas homilias, palavras, gestos de devoção junto a cruz e a Nossa Senhora tem sido exemplos de vida orante. Particularmente tenho aprendido muito com isso e acredito que toda humanidade assim tem feito. Aproveito e pergunto: qual tem sido sua postura de fé durante essa crise?

Foto: Vatican News

Num determinado trecho desta homilia, Papa Francisco também destaca a importância dos trabalhadores que por muitas vezes não é dada a devida atenção e reconhecimento: profissionais da saúde, trabalhadores dos supermercados, profissionais da limpeza e segurança, do transporte. Neste ponto creio que a humanidade está ficando mais ‘humana’. O reconhecimento pelo trabalho desses profissionais tem sido cada vez maior, com várias homenagens e ajudas aos profissionais dessas áreas: palmas aos médicos e enfermeiros, que estão esgotados por tanto trabalho e desgaste mental/emocional, distribuição de marmitas aos caminhoneiros, respeito aos profissionais dos supermercados, luta por dignidade aos motoristas de transporte público. 

Também tenho assistido verdadeiras ondas de projetos assistencialistas que tem contribuído de maneira significativa para as populações que mais sofrem. O SEFRAS em São Paulo montou uma tenda em frente a Igreja do Largo São Francisco para captação de donativos e auxílio a população de rua. A equipe do Gotas de Misericórdia de Nilópolis não permitiu que os trabalhos semanais de apoio as pessoas em situação de rua parassem, uma semana de pausa foi dolorida no peito dos voluntários que voltaram as atividades. Pessoas ou entidades que arrecadam alimentos e kits de higiene para entregar nas comunidades carentes. São inúmeras as ações franciscanas, ou católicas, ou sem religião, simplesmente humanas acontecessem. Ações que apresentam um novo modo de viver. E em cada pessoa que relata seu voluntariado vejo apenas expressão de plenitude e alergia.

Conheça mais sobre o trabalho do SEFRAS!

Durante esse período de isolamento social é certo que temos aprendido muito. Algumas pessoas têm partilhado comigo o quanto voltar para dentro de suas casas e voltar a conviver com sua família de forma integral tem sido importante. É voltar os olhos para o que nos é essencial. O peito de muitos têm inflamado para a ajuda social. Alguns têm despertado para a vivência em comunidade, até para animação do coletivo e cuidado fraterno. Outros tantos para a importância de estar próximo daqueles que amam. Percebemos que muito mais do que a pressa em fazer e ter coisas é importante termos a vida, ser e estar. Passamos a olhar para dentro e ver quem somos, nossas fragilidades e possibilidades. Reconhecemos nossas falhas e mal pensamos no futuro, apenas vivemos dia após dia. Estamos vivendo um novo tempo, uma quaresma de conversão e transformação. Oxalá possamos passar por esse período conservando a paz, na perfeita alegria. 

Paz e bem!

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