O DIA ESTÁ BONITO (Lucas Moura)

“O dia está bonito”, olhei pela janela e constatei que era verdade. Nossas rosas apesar de mal cortadas tinham crescido bem. O sol do instante brilhava sobre elas dando um toque de leveza. Embora o outono estivesse se aproximando, as folhas das árvores permaneciam fortes, não dava para encontrar sinais de que desistiriam da batalha de manterem-se vivas.

Sempre esteve com ele esta intimidade com a natureza. Todo seu corpo parecia respirar da mesma forma que uma flor e todas as vezes que caminhava pelo bosque me preparava para encontrá-lo descansando apoiado em uma árvore. Quando acordava do descanso que tínhamos após o almoço, gostava de ir à janela do quarto vê-lo. Dava sempre para encontrá-lo sentado no jardim enquanto o sol lhe clareava a pele. Ele ficava imóvel, arrebatado. Parecia que o mundo resolvera acariciar aquele homem e usava do sol como mão. Era bonito.

No tempo da colheita íamos todos para os arrozais. Ficávamos horas e horas colhendo o arroz que a turma passada havia semeado. Já havia se transformado em sacramento, a turma do terceiro ano semear o arroz e as outras turmas colherem. Não demorava muito para ele aparecer e sempre com aquele grande chapéu de palha.

Uma vez, enquanto colhíamos, ele me chamou, pediu que o ajudasse a descarregar a Toyota. No pouco tempo que fiquei com aquele frade ele falou dos tesouros que a gente quase nunca percebe que tem; da vontade persistente da conquista do que está sempre distante, e com isso, a costumeira capacidade de se afastar dos pequenos milagres que Deus manifesta bem pertinho da gente.

As refeições eram o momento em que nos obrigávamos a estarmos todos sofisticadamente sentados, alinhados com a costa da cadeira, sem cotovelos nas mesas e em circunstância alguma poderia-se ouvir conversas agitadas. O superior ficava numa mesa vertical, olhando cada um de nós, e corriam boatos de que se visse algo de errado, era capaz de nos punir. Mas ele aparecia, era nosso herói, brincava conosco e toda vez que encontrava algo de engraçado ria, ria muito alto, batia o pé direito no chão declarando que havia nos libertado da prisão daquele malvado da mesa vertical.

Chamava-nos de “Curumins”, dizia que era como os índios mais velhos chamam os seus irmãos mais novos. Hoje, quando ouço “o dia está bonito”, me recordo dele. Daquele sorriso de gente que vive no campo e por isso sorri de verdade. Tenho saudades. O chapéu de palha está num prego em meu quarto de estudante. Aguardo o momento de poder entregá-lo.
Quero ver aquele sorriso e perceber se tenho algo dele.

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