Enchentes no Rio Grande do Sul: Os jovens heróis

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O Conexão Fraterna relembra a tragédia que assolou o Rio Grande do Sul há dois meses e entrevistou dois jovens de diferentes regiões que se envolveram no cuidado com o próximo durante as enchentes. Bianca e Luan estiveram na linha de frente na ação humanitária e contam como o povo gaúcho tem feito para retomar seu cotidiano. Os relatos são comoventes, emocionantes e certamente ainda não conseguem demonstrar a real situação de quem enfrentou a tragédia. Ao final do bate-papo, deixam o alerta: é necessário perpetuar a solidariedade, respeitar constantemente o meio ambiente e valorizar as políticas públicas com urgência, para promover dignidade do ser humano e da natureza.

Conexão Fraterna (CF): Em primeiro lugar, queremos saber: quem é Bianca e quem é Luan?

Bianca: Me chamo Bianca H. Steffen, tenho 22 anos, nasci e cresci na cidade de Bom Princípio no interior do RS. Participo do grupo de Jovens Missionários da cidade.

Luan: Sou o Luan Gustavo da Silva Amador, tenho 27 anos e sou natural da cidade de Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre. Trabalho como assistente social na cidade de Porto Alegre e também sou pastoralista no Colégio Bom Jesus Sévigné, na unidade localizada em Porto Alegre.

CF: Como foi a experiência de vocês durante as enchentes no Rio Grande do Sul? 

Luan: Eu estava trabalhando quando fomos surpreendidos pela rapidez com que as águas do rio Guaiba e Jacuí subiram, inundando a cidade de Porto Alegre e as cidades vizinhas. Nos primeiros momentos, recebi uma ligação de um colega de trabalho, pedindo resgate, pois a água já havia alcançado sua casa. Em questão de minutos, uma forte enchente tomou conta do bairro. Naquele momento, concentramos nossos esforços em resgatar o maior número possível de colegas. No dia seguinte, não era possível transitar nos bairros inundados. O clima era tenso e só nos restava acompanhar as notícias pelos meios de comunicação. O centro da capital foi a última área a ser alagada, causando muito sofrimento e destruição à população. O Colégio Bom Jesus ficou literalmente isolado, pois está localizado na parte mais alta do centro histórico.

Bianca:  A ação do nosso grupo de voluntários começou antes mesmo das fortes chuvas. Como aqui em Bom Princípio são poucas casas atingidas anualmente por enchentes, nos preocupamos com as cidades vizinhas, especialmente São Sebastião do Caí onde há bairros demasiadamente perto do rio e comunidades carentes. No final do ano anterior (2023) houve uma enchente na cidade, o grupo, de até então em torno de 14 pessoas, se mobilizou e começamos a nos organizar pelo WhatsApp das possíveis demandas que poderíamos receber novamente e assim estimamos certa quantia de marmitas e mantimentos que poderíamos recolher e distribuir. Com pouca informação a respeito das chuvas, fomos surpreendidos com a maior enchente que a cidade de BP já presenciou, de mesmo modo que todas as outras do estado também. Ficamos desamparados, pois em menos de 3 dias a água havia tomado conta da cidade e muitos voluntários do ano anterior tiveram suas casas atingidas e também precisam de ajuda. A solidariedade foi fundamental para enfrentarmos essa tragédia. Minha maior contribuição foi ajudar na distribuição de água potável e marmitas em abrigos construídos na cidade.

CF: E como essa corrente do bem e da solidariedade conseguiu ajudar?

Bianca: Assim que foi possível sair de casa e abrigos, começamos a ação e arrecadação para auxiliar o maior número de pessoas que conseguíssemos. Como o grupo era pequeno, de início não conseguimos muitas doações, então fomos diretamente nas empresas pedir por auxílio, como alimentos para prepararmos as marmitas, potes e rodos para limpeza. Fomos divulgando nosso trabalho a fim de que as pessoas que precisassem tivessem um meio de pedir e encaminhar o endereço. A partir disso, o perfil cresceu e o grupo do WhatsApp já contava com mais de 350 voluntários de diversas cidades. Foi criado uma planilha para organização onde era colocado o endereço de cada pessoa e a necessidade dela no momento, como colchão, roupa, produtos de higiene, cobertores, kit escolar, ração para animais ou cestas básicas; as marmitas eram entregues todos os dias no almoço e janta na cidade de Bom Princípio e São Sebastião do Caí, sendo mais de 8500 nas últimas semanas e 30 mil litros de água. Como as pessoas ajudavam, além de materiais, com dinheiro, o que não foi gasto durante esse período, utilizamos no final do mês para a aquisição de móveis, como balões de pia e armários, também distribuídos, já montados para as pessoas atingidas. Com o crescimento de voluntários conseguimos ajudar várias cidades, como Estrela, na qual a água ultrapassou 30m. 

CF: Como está hoje a volta à “normalidade” nas regiões atingidas?

Luan: Com a água baixando na cidade, nos deparamos com um cenário de imensa destruição e tragédia, repleto de cenas desoladoras para as famílias afetadas. O recomeço tem sido extremamente difícil. Realizo visitas diárias às famílias atingidas e percebo que, para além dos móveis e eletrodomésticos perdidos, o que mais causa dor é ver que a água levou parte da história de cada indivíduo e família. Fotografias perdidas, momentos vividos, tudo isso se foi com as águas, deixando um vazio doloroso.

Bianca: Hoje, após o momento do ápice da crise, e com as pessoas voltando a reconstruir a rotina, o grupo se manteve, embora sem ações, ainda auxiliamos com informações através das redes sociais aqueles que entram em contato e solicitam por ajuda. 

CF: Qual seu olhar para o futuro da comunidade gaúcha?

Luan: Um pedido especial é pela perpetuação da solidariedade. Espero que a população não esqueça dessa dimensão tão crucial, especialmente no período pós-tragédia, quando mais precisamos uns dos outros. Eu faço um pedido especial para que os governos levem mais a sério as questões ambientais e reconheçam o verdadeiro valor das políticas públicas, especialmente aquelas que garantem a dignidade de nossa população. Em Porto Alegre, temos um histórico de afastamento das pessoas que vivem à margem da sociedade, como os ribeirinhos e as pessoas em situação de rua, entre outros grupos vulneráveis. Meu pedido é que todos sejam tratados com dignidade e recebam o apoio necessário para reconstruir suas vidas após momentos de crise como esses.

Bianca: Agradeço a Deus por ter condições de estar ajudando tantas pessoas e poder ter contato com tantos voluntários que estão doando seu tempo e energia para ajudar quem mais precisa e quem mais está sofrendo com essa enchente. Ao passar pelas casas das famílias ajudando nas limpezas e vendo o esforço e entrega de tantos voluntários vejo olhares de solidariedade e esperança para superar essa situação e recomeçar. Temos ainda muito trabalho para fazer, com certeza. E precisamos de mais ajuda para os próximos dias e meses. Vamos continuar com essa missão bonita de ajudar as pessoas e esperamos ver cada vez mais voluntários engajados para auxiliar nesse momento que nossa comunidade precisa. Desejamos força e esperança a todos os gaúchos

Para aqueles que se interessaram ou sentem a necessidade de ajudar o próximo, pode entrar em contato conosco pelo Instagram @jmbomprincipio, que daremos encaminhamento de como fazer parte do grupo ou ajudar nas demais cidades.

Ao final da entrevista, o Conexão Fraterna pediu fotos feitas pelos próprios entrevistados, vendo a realidade, segundo suas lentes.


Fernando Cordeiro e Mariana Rogoski

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