Nossa Senhora Aparecida, Mãe que quis parecer conosco.

A região do Vale do Paraíba, muito diferente do que conhecemos hoje, era uma vila de passagem; sua população na maioria pobre e trabalhadora, com uma vida difícil, tinha uma religiosidade aflorada. A fé era e, ainda hoje, é um alicerce importante na vida das pessoas dessa porção do país.

No entanto, no século XVIII, a fé e a religião não eram suficientes para que a escravidão, comum à época e que marcou o Brasil, fosse combatida; ao contrário, ser negro era sinônimo de inferiorização e desumanização. Era como se fosse uma peça, um objeto, menos que um animal para os poderosos da época, algo totalmente antagônico e hipócrita do ponto de vista religioso e da fé: ia-se às igrejas aos domingos rezar, mas não se tinha o mínimo pudor em possuir seres humanos escravizados, chicotear, castigar e humilhar, afinal, uma propriedade da qual se fazia o que queria. Particularmente, eu vou morrer sem entender quem teve a ideia de achar que era superior a outra pessoa a ponto de privá-la de sua liberdade.

Nesse contexto, Maria Santíssima deixou-se encontrar pelo povo simples, pescadores, e, diferente das outras imagens costumeiras, ela surge preta, enegrecida pelo barro escuro do fundo do Rio. Maria vem trazer representatividade divina àquelas pessoas tão sofridas, dando ao nosso povo uma identidade: a de filhos dignos de Deus.

O que mudou de 1717 para cá? A luta do povo e as leis colaboraram, mas a cultura de exclusão ainda permanece latente no nosso país, o que faz a gente lembrar que a luta por uma sociedade mais justa e igualitária, onde todos tenham vida e não sobrevida não acabou. Ainda há muito caminho para semear esperança, justiça e fraternidade.

Ao se apresentar como uma mulher negra na imagem de Aparecida, Nossa Mãe trouxe ao nosso povo uma força divina para enfrentar as dores e humilhações que o egoísmo traz e a desigualdade sedimenta. A preferência de se deixar encontrar pelo povo pobre e sofrido é a confirmação da preferência de Deus pelos excluídos e marginalizados por quem tem mais.

Aquela que ensinou Jesus a andar, falar e ser um homem digno, ético e compassivo com todos, hoje, nos convida também a aprender com ela a sermos irmãos de verdade; a tornar as palavras de amor e misericórdia em atitudes que realmente tragam dignidade aqueles que ainda são esquecidos.
Nossa Senhora é uma mãe acolhedora, que protege, ama e que entende nossos sofrimentos e lutas. Mas, além disso, ela enxerga o potencial do povo brasileiro de superar suas mazelas e ir além, e por isso nos faz enxergar nela, naquela imagem tão pequena a cada um de nós, a nossa cor, o orgulho de ser criado por Deus e de sermos seus filhos.

Que ela olhe por nós e nos proteja. E debaixo de seu manto sagrado possa nos moldar com o rosto de Cristo, semeando esperança para colher um Brasil melhor.


Ana Karenina Cunha

Deixe uma resposta