Em mais de meio século de vida, já acompanhei dias de muita polaridade, muita incerteza, muito conflito, muita dor e muito desespero… Situações provocadas por reações da natureza e pelo orgulho dos homens; situações de extremos sentimentos, que excluíam a possibilidade de vislumbrar um futuro possível entre pessoas, grupos, comunidades e/ou nações…
Tenho a sensação inglória de que muitos dias da última década têm reacendido esse sentimento em muitas mentes e muitos corações… Seja nas proximidades de nossas casas onde a violência se faz presente; seja nos drones e armas que detonam as expectativas de futuro daqueles que, dia-a-dia, visualizam e vivenciam uma guerra declarada e aberta que não faz sentido para a maioria das pessoas que dela são vítimas; seja pela presença armada que, oficialmente, tenta inibir ameaças que (nem sempre!) podem minar a ordem estabelecida – nossos olhos são obrigados a “digerir” nas telas o que nem nosso estômago (aquele mais resistente às coisas abjetas que possamos encontrar) conseguiria processar: nossa vida ser privada de esperança!
Hoje, percebo que nossos dois últimos pontífices despertaram basicamente dois sentimentos (cada um) em mim; o Papa Francisco, com toda a sua alegria na Boa-Nova do Evangelho, inspirava a vontade de falar sobre o Amor e a Misericórdia (ainda que ele falasse, persistentemente, se uma “guerra aos pedaços”); já o Papa Leão XIV, acredito que pela realidade que o confronta em seu pontificado, me desperta uma grande necessidade pela Paz e pela Esperança.
Este é o motivo que hoje vou usar duas citações – uma do Francisco de até poucos dias, outra do Leão que “ruge” contra a violência e a guerra – para falar sobre a importância da Paz.
O Papa Francisco nos dá uma verdadeira aula misericordiosa e amorosa sobre a Paz – e, antecipadamente, peço desculpas por tê-la citado sem cortes: “Despedindo-se dos seus discípulos na Última Ceia, Jesus diz, quase como uma espécie de testamento: ‘Deixo-vos a paz’. E imediatamente acrescenta: ‘Dou-vos a minha paz’ (Jo 14,27). Reflitamos sobre estas breves frases. Antes de tudo, deixo-vos a paz. Jesus despede-se com palavras que exprimem afeto e serenidade, mas fá-lo num momento em que nada é sereno. Judas sai para o trair, Pedro está prestes a negá-lo, e quase todos prontos para o abandonar: o Senhor sabe disso, mas não repreende, não usa palavras severas, não faz discursos ásperos. Em vez de mostrar agitação, permanece gentil até ao fim. Um provérbio diz que se morre como se viveu. As últimas horas de Jesus são na realidade como a essência de toda a sua vida. Ele sente medo e dor, mas não dá espaço a ressentimentos ou protestos. Não se deixa amargurar, não desabafa, não é impaciente. Ele está em paz, uma paz que vem do seu coração manso, habitado pela confiança. E disto flui a paz que Jesus nos deixa. Pois não se pode deixar a paz aos outros se não a tivermos em nós mesmos. Não podemos dar a paz se não estivermos em paz.Deixo-vos a paz: Jesus mostra que a mansidão é possível. Ele encarnou-a precisamente no momento mais difícil; e quer que nos comportemos assim também, que sejamos herdeiros da sua paz. Ele quer que sejamos mansos, abertos, dispostos a ouvir, capazes de desativar as controvérsias e de tecer concórdia. Isto é testemunhar Jesus e vale mais do que mil palavras e muitos sermões. O testemunho da paz. Perguntemo-nos se, nos lugares onde vivemos, nós, discípulos de Jesus, nos comportamos assim: aliviamos as tensões, extinguimos os conflitos? Estamos também em atrito com alguém, sempre prontos a reagir, a explodir, ou sabemos como responder com a não-violência, sabemos como responder com palavras e gestos de paz? Como devo reagir? Que todos se perguntem isto. Claro que esta mansidão não é fácil: como é difícil, a todos os níveis, interromper os conflitos! Aqui a segunda frase de Jesus vem em nosso auxílio: dou-vos a minha paz. Jesus sabe que sozinhos não somos capazes de preservar a paz, que precisamos de ajuda, um dom. A paz, que é o nosso compromisso, é, antes de mais, um dom de Deus. Com efeito Jesus diz: ‘Dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá’ (v. 27). Que paz é esta que o mundo não conhece e que o Senhor nos dá? Esta paz é o Espírito Santo, o mesmo Espírito de Jesus. É a presença de Deus em nós, é a ‘força de paz’ de Deus. É Ele, o Espírito Santo, que desarma o coração e o enche de serenidade. É Ele, o Espírito Santo, que desfaz a rigidez e extingue as tentações de atacar os outros. É Ele, o Espírito Santo, que nos lembra que há irmãos e irmãs ao nosso lado, não obstáculos e adversários. É Ele, o Espírito Santo, que nos dá a força para perdoar, para recomeçar, para iniciar de novo, porque com as nossas forças não podemos. E é com Ele, com o Espírito Santo, que nos tornamos homens e mulheres de paz.” (Regina Caeli, Praça São Pedro, 22/05/2022).
Já o Papa Leão XIV, após a oração do Angelus, nos deixa uma mensagem bem mais concisa, porém não menos inquietante: “Expresso o meu sincero apreço por quem, a todos os níveis, se está a empenhar na construção da paz nas diversas regiões marcadas pela guerra. Nos últimos dias, rezamos pelos defuntos e, entre eles, infelizmente, muitos foram mortos em combate e em bombardeamentos, apesar de serem civis: crianças, idosos e doentes. Se se quer realmente honrar a sua memória, que se instaure um cessar-fogo e se empreguem todos os esforços nas negociações.” (09/11/2025)
Inevitável nos perguntarmos: “No mundo que estou inserido(a), que tipo de ‘Paz’ eu promovo?”
Leila Denise
