Lançamento da Peregrinação Francisclariana em Defesa da Casa Comum: Leonardo Boff clama por uma nova relação com a Terra em tempos de catástrofe e esperança
Na abertura da live de Lançamento: Peregrinação em Defesa da Casa Comum, promovida pela Conferência da Família Franciscana do Brasil, realizada no dia 18 de junho de 2025, o teólogo e pensador Leonardo Boff fez um alerta contundente sobre o estado crítico da humanidade e da Terra. Com um discurso comovente e profundamente conectado à espiritualidade de São Francisco de Assis, Boff abordou as múltiplas ameaças que pesam sobre o planeta, como a iminência de uma guerra nuclear, o colapso ecológico, a escassez de água e a destruição desenfreada da biodiversidade. “Vivemos tempos dramáticos, de certa maneira irreversíveis. A Terra nunca mais será a mesma”, afirmou, ao destacar que a agressão humana ao equilíbrio do planeta afeta diretamente a nossa própria sobrevivência.
Referindo-se ao “relógio do juízo final”, que marca apenas três segundos antes da meia-noite, Boff citou o economista Jeffrey Sachs para alertar sobre o risco de líderes políticos levarem a humanidade à autodestruição. “Temos que nos libertar de dois loucos, Netanyahu e Trump”, citou, reforçando o papel devastador de elites político-econômicas sobre o destino da Terra. Além das ameaças geopolíticas, Boff destacou o avanço do aquecimento global e a possibilidade de um salto abrupto na temperatura da Terra, de até 4ºC nos próximos anos, o que tornaria impossível a adaptação de grande parte da vida terrestre. Lembrou também da chamada “sobrecarga da Terra”, quando os recursos naturais se esgotam antes do fim do ano. “Se até novembro ultrapassarmos esse limite, poderá haver um colapso da civilização”, advertiu.

Na raiz dessa crise, segundo ele, está o modelo civilizatório dominante, baseado na dominação e exploração da natureza, o “paradigma da mão fechada”, descrito pelo Papa Francisco na encíclica Fratelli Tutti. Em oposição, Boff defende o “paradigma do irmão e da irmã”, que vê todos os seres como parte de uma mesma família, unidos por laços de afeto e respeito. “Ou nos salvamos todos, ou ninguém se salva”, repetiu, ecoando o Papa. Para ele, o caminho passa por resgatar a inteligência cordial, aquela que nasce do coração e é capaz de gerar empatia, compaixão e vínculo com a vida. “Não somos apenas seres racionais. Somos mamíferos racionais, seres de sentimento”, afirmou, criticando o uso destrutivo da razão técnica, capaz de criar armas biológicas e nucleares.
Mesmo diante de um cenário sombrio, Boff sustentou a esperança como força vital. “Não podemos perder a esperança. A alternativa é o suicídio coletivo”, disse, evocando Santo Agostinho e o Papa Francisco ao lembrar que a esperança caminha com duas irmãs: a indignação diante das injustiças e a coragem para transformar. “Podemos fazer uma revolução molecular, começando por nós mesmos: reduzir, reusar, reciclar e reflorestar”.
Ao final, emocionado, compartilhou sua adesão pessoal à “caminhada franciscana”, mesmo com limitações físicas. “Tenho 86 anos, quatro próteses, me custa andar, mas o pouco que posso andarei, para me sentir parte dessa procissão em favor da Mãe Terra”. E concluiu com um apelo: “Cuidemos, amemos, guardemos a Terra como nossa mãe. Tudo o que fazemos com nossas mães, devemos fazer com a Terra”.
O encontro foi marcado com uma profunda comoção coletiva. A live profética, mediada por Moema Miranda e Frei Rodrigo Perét, OFM, destacou o papel inspirador de Boff ao “nos ajudar a esperançar”, a seguir firmes mesmo sem o caminho todo traçado, confiando no Deus da vida.

Em seguida, foi apresentado por Frei Alex Assunção OFM, vice-presidente da CFFB, e Ir. Liliane Pereira, Franciscana da Penitência, os caminhos para a Peregrinação em Defesa da Casa Comum abordando o planejamento realizado por uma construção coletiva de vários agentes envolvidos.
Primeiramente foi apresentado o símbolo que irá acompanhar a Peregrinação Francisclariana até 2026. Trata-se de um estandarte carregado de significados espirituais, visuais e proféticos, centrado na espiritualidade de São Francisco e Santa Clara. No centro da imagem, o “Tau” representa a profecia de Ezequiel e o compromisso evangélico com a justiça, a verdade e a conversão. Ao redor, a moldura traz trechos do Cântico das Criaturas, exaltando a Terra como dom divino. O estandarte expressa ainda a comunhão entre os diversos ramos da Família Franciscana, representando a união entre fé, missão, justiça socioambiental e esperança ativa.
Além do símbolo, foi lançado o Manual Prático da Peregrinação, que servirá como guia metodológico e espiritual para as ações nos territórios. Dividido em cinco eixos — celebração, escuta, gestos concretos, incidência política e caminhadas públicas —, o manual propõe uma peregrinação viva e transformadora, conectada com as realidades locais e aberta à criatividade das comunidades. Inspirado por apelos da Família Franciscana Internacional e da encíclica Laudato Si’, o documento busca articular fé e prática ecológica, com base no legado de Francisco e Clara, reforçando que caminhar é também um ato político e um gesto de compromisso com a vida.
A convocação agora é à ação: construir localmente a peregrinação franciscana em defesa da Casa Comum, mesmo que “como pequenos, irmãos menores, sejamos nós os que assumimos a responsabilidade diante das grandes ameaças”.
A live foi encerrada com uma convocação enfática: a peregrinação começou. Ela não é apenas geográfica, mas espiritual, política e profética. Terá momentos simbólicos de grande impacto, como a participação na COP 30 e na Cúpula dos Povos, culminando em 2026 com a celebração dos 800 anos da Páscoa de São Francisco. Diante de guerras, colapsos climáticos e injustiças, a Família Franciscana assume seu papel profético, rejeitando a neutralidade. “Nosso chamado é à ação, ao cuidado e à construção de outro modo de viver”, afirmou-se no encerramento. A todos e todas foi feito o convite: caminhar com os pés no chão, o coração livre e os olhos voltados para o horizonte do Reino.
Essa live foi uma iniciativa do coletivo SINFRAJUPE, CFFB e Franciscans Internacional e esse texto de Mariana Rogoski faz parte da parceria com o Blog Conexão Fraterna.