Em 2013, quando vimos um Papa que “veio do fim do mundo” assumir a missão de São Pedro, fomos apresentados a um Francisco que nos fez retornar à prática dos ensinamentos da “letra fria” do Evangelho de Jesus Cristo – uma “letra fria” que aqueceu os corações de quem o ouvia ao longo dos anos.
Desde a Jornada da Juventude, no Rio de Janeiro, até a viagem a Ajaccio, na Córsega, em dezembro de 2024, Francisco encontrava tempo para estar com o povo em suas viagens – muitas vezes ignorando o protocolo (sacro e de segurança). Sua última aparição pública, neste Domingo de Páscoa, o comprova.
A meus olhos, ainda que seu papado seja recheado de ótimos exemplos de vivência da fé, poucos momentos de seu pontificado serão tão significativos quanto o abandonar dos sapatos vermelhos; a oração dele, sozinho, na Praça São Pedro, durante a pandemia, no dia 27 de março de 2020; e a atitude dele de acolhimento a uma criança com deficiência cognitiva durante a Audiência Geral do dia 20 de outubro de 2021.
Concordo com Dom Ricardo, atual secretário da CNBB, quando disse que “perdemos um pai”, porque eu me sinto assim. Francisco foi, para cada um de nós, espelho daquele Pai amoroso e misericordioso que o Cristo identificou como sendo o Dele.
Pessoalmente, acredito que ele já está na glória de Deus.
O que me preocupa é o que ainda vemos pela terra.
Temo que a “Igreja enlameada” e “em saída” possa não ser uma prioridade daqui em diante; temo que seu sucessor não tenha a mesma veemência e insistência em sua voz ao pedir a Paz ao mundo; temo que os todos os protocolos (antigos) voltem a ser cumpridos à risca, deixando seu sucessor longe do povo de Deus.
Nesses momentos de dúvida, vou buscar na palavra do próprio Francisco – que há pouco nos deixou – o consolo para me manter firme na caminhada de fé:
“Procuramos de todas as maneiras banir o pensamento da nossa finitude, iludindo-nos assim a pensar que podemos retirar o poder da morte e afastar o temor. Mas a fé cristã não é uma forma de exorcizar o medo da morte, pelo contrário, ajuda-nos a enfrenta-la. Mais cedo ou mais tarde, todos nós iremos àquela porta. A verdadeira luz que ilumina o mistério da morte provém da ressurreição de Cristo. Eis a luz. E São Paulo escreve: «Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos? Se não há ressurreição de mortos, nem Cristo ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé (1 Cor 15, 12-14). Há uma certeza: Cristo ressuscitou, Cristo ressurgiu, Cristo está vivo no meio de nós. E esta é a luz que nos espera por detrás da porta obscura da morte. Prezados irmãos e irmãs, é apenas através da fé na ressurreição que podemos olhar para o abismo da morte sem nos deixarmos dominar pelo medo. Não só: mas também podemos atribuir à morte um papel positivo. De facto, pensar na morte, iluminada pelo mistério de Cristo, ajuda-nos a olhar para toda a vida com olhos novos. Nunca vi atrás de um carro fúnebre uma carrinha de mudanças! Atrás de um carro fúnebre: nunca vi. Iremos sozinhos, sem nada nos bolsos da mortalha: nada. Pois a mortalha não tem bolsos. Esta solidão da morte: é verdade, nunca vi atrás de um carro fúnebre uma carrinha de mudanças. Não tem sentido acumular se um dia morreremos. O que precisamos de acumular é caridade, a capacidade de partilhar, a capacidade de não ficar indiferentes às necessidades dos demais. Ou, de que serve discutir com um irmão, uma irmã, um amigo, um membro da família, ou um irmão ou irmã na fé, se um dia morreremos? De que serve enraivecer-se, zangar-se com os outros? Perante a morte, tantas questões são redimensionadas. É bom morrer reconciliado, sem deixar ressentimentos e sem arrependimentos! Gostaria de dizer uma verdade: todos nós estamos a caminho rumo àquela porta, todos.” (Sala Paulo VI, Audiência Geral, 09/02/2022)
Desejando que seu sucessor seja uma fonte de inspiração a cada cristão tão profícua quanto a sua forma de vivenciar o Evangelho, descanse na Paz daquele Cristo, que você nos apresentou em vida pelas suas palavras e ações, que nos salva, hoje e sempre!
Leila Denise