“O homem se reflete nas decisões de seu coração” (Pr 27,19)

Cada vez que ouvia a história da Branca de Neve e era contado que a madrasta pedia para o caçador trazer o coração dela como prova de sua morte, pensava sobre como uma pessoa poderia ser tão má, tão fria a ponto de querer ter certeza de um ato tão extremo, querer tanto mal a alguém, a ponto de só acreditar que o ato tivesse sido consumado ao ter o coração da vítima em suas mãos (e, registre-se, ela foi enganada pelo caçador).

Desde a Grécia Antiga já se fala que o coração é onde “se guarda o amor”. É bem verdade que, em boa parte dos casos, o objeto da afirmação é o amor que une dois seres pelos mesmos vínculos de Adão e Eva, mas o amor “ágape” também acaba vinculado ao coração.

Cristo, ao ensinar seu modo de vivenciar a fé aos discípulos, muitas vezes falou sobre a importância do coração. Certas narrativas do Evangelho – acerca de Maria e do próprio Jesus – , inclusive, vêm com a observação “guardava em seu coração”. Com certeza, ninguém falou tanto e tão bem sobre o Amor como Ele, extensão e expressão do Amor do próprio Criador por cada um de nós…

O próprio desejo do “Poverello” de Assis de sentir o Amor que o Cristo sentiu por nós, experimentado no Monte Alverne e devidamente marcado pela impressão dos estigmas em seu corpo, nos retratam a importância do cultivo e da prática do Amor para a compreensão e pregação do Evangelho de Jesus Cristo como vivência cristã.

Minha sensação pessoal é de que, em um mundo com uma “guerra aos pedaços” e “líquido”, o Papa Francisco – depois de nos ter lembrado, entre outras coisas, sobre a importância de como evangelizar (“Evangelii Gaudium”), de cuidar da Casa Comum (“Laudato Sí”), de nos reconhecermos como irmãos (“Fratelli Tutti”) – percebeu que tudo que ele falou ainda parece não ter sido claro, porque os cristãos ainda não conseguem praticar plenamente os ensinamentos de Jesus; então, ainda antes das celebrações do Jubileu Ordinário de 2025 (já bem próximo), no último 24 de outubro, ele publicou uma nova encíclica, a meus olhos um apelo pelos bons sentimentos e boas atitudes da humanidade: “Dilexit  nos” (“Amou-nos”) (https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/20241024-enciclica-dilexit-nos.html).

Ainda não consegui ler com calma todo o conteúdo; porém, como dizem os antigos, “corri os olhos” em alguns trechos; além de falar sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, sopesa diversos aspectos sobre a correlação entre o coração e o amor na vida de cada um de nós – seja no sentimento, pura e simplesmente, seja pelas obras de caridade.

Vou trazer só um aperitivo de todo esse material: “167. É preciso voltar à Palavra de Deus para reconhecer que a melhor resposta ao amor do seu Coração é o amor aos irmãos; não há maior gesto que possamos oferecer-lhe para retribuir amor por amor… 168. O amor aos irmãos não se fabrica, não é fruto do nosso esforço natural, mas exige uma transformação do nosso coração egoísta. Nasce então espontaneamente a célebre súplica: ‘Jesus, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso’. Por isso mesmo, o convite de São Paulo não era: ‘Esforçai-vos por fazer boas obras’. O seu convite era precisamente: ‘Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus’ (Fl 2,5) … 171. Mesmo do ponto de vista da ferida do seu Coração, olhar para o Senhor, que ‘tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas dores’ (Mt 8,17), ajuda-nos a prestar mais atenção ao sofrimento e às necessidades dos outros, e torna-nos suficientemente fortes para participar na sua obra de libertação, como instrumentos de difusão do seu amor.”

Ao contrário do que algumas pessoas pensam, falar sobre o Amor e a Misericórdia é extremamente necessário; porém, não posso deixar de concordar que a prática dessas virtudes é um exercício não só necessário, mas coerente com a nossa condição de cristãos e franciscanos.

Inevitável questionar-se… “Como é o meu amor comigo e com o meu próximo?” “Costumamos ter contato com a Palavra, mas a praticamos?” “Os nossos sentimentos estão em Cristo Jesus?” “Como estamos carregando as nossas dores?” “Somos suficientemente fortes para participarmos da obra de Cristo?” “Difundimos o Amor vivenciado por Jesus?”

Muita coisa pra pensar, sentir e praticar… Bora?


Leila Denise

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