Nós proclamamos a grandiosidade de Deus. Queremos honrá-lo em seu poder, em sua força, em sua grandeza. Entretanto, Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes, como diz Paulo aos Coríntios (1Cor 1,29). Não que ele tenha apreço pela fraqueza, mas a fim de confundir os que se dizem fortes, escolhe aquilo que aparentemente não tem todo o poder, pois assim Ele sabe que terá espaço para se manifestar. Por isso ele escolhe pequenas porções ao invés de pratos cheios.
E para manifestar o seu poder e bondade ele escolheu a pequena porção do nosso mundo. Diante da grandiosidade do universo, do sol, das estrelas, das galáxias, ele escolheu um planeta pequeno, que nem é o maior do sistema solar, para fazer florescer a sua bondade através das criaturas. E nesse nem tão grande planeta, ele escolheu que seu Filho viesse numa pequena porção, uma região periférica de um país nem tão grande, que já tinha sido até mais poderoso, mas que estava em decadência e, tendo sido dominado, era governado pelo Império Romano.
E ali, escolhendo a pequena porção da Galileia, Deus escolheu novamente algo singelo. O seio de Maria. Ela não era nenhuma figura política importante, mulher de alguém que tivesse títulos e honras. Quase-esposa de um carpinteiro. Uma virgem. Menina jovem, que estava aprendendo as coisas da vida. Uma pequena porção. Mas Deus a escolheu pois sabia que ela, simples e despojada, longe de qualquer desejo de ser grande, se faria pequena e diria ao seu convite: “sim, eis aqui a serva”. Deus sabia que podia contar com ela pois na sua pequenez se deixava possuir inteira pelo Espírito. Nela cabia a graça, pois nas demais talvez havia muita vaidade. Ele prefere as coisas humildes, pois nas pequenas porções, consegue se fazer inteiro!
E para demonstrar a sua maior prova de amor não escolhe grandes obras de pedras, nem homens com títulos de nobreza. Seu filho era um nazareno, que faz da cruz o seu trono. Que ensina que o mestre lava os pés. Que não se proclama rei com um exército de espadas, mas com a misericórdia e o olhar atento e amoroso. Armas essas, que aos olhos dos violentos parecem fracas, mas aos olhos dos aflitos e sofredores são essenciais. Uma pequena porção de misericórdia e tudo se encanta com a bondade do seu Filho.
E Deus continua com a sua obstinação de nos demonstrar que gosta das pequenas porções. E escolhe que a Ordem Franciscana não nasceria em Roma, em Jerusalém, mas na pequena cidade de Assis. E numa Igreja caindo aos pedaços que tinha como apelido “Porciúncula” que em uma tradução livre significa “pequena porção”. E sabe a quem ela era dedicada?!: à pequena porção de Maria, com o título de Nossa Senhora dos Anjos. E ali, na pequena porção de Assis, Francisco começa a sua Ordem com alguns irmãos, fazendo coisas simples, reconstruindo a igrejinha caída. E bem expressou a canção sobre isso: “Todo homem simples, tem um grande sonho, com amor e humildade pode construí-lo. Se com fé tu saberás viver humildemente, mais feliz tu serás mesmo sem ter nada, se fizeres todo dia com o teu suor, uma pedra depois outra e assim chegará./ Uma vida simples, acharás a estrada, toda paz e bem terás e um coração puro, sentimentos simples, são sempre os mais nobres, são aqueles que no fim, são sempre os melhores, se fizeres todo dia com o teu suor, uma pedra depois outra e assim chegarás”.
E na pequena porção da Porciúncula o Senhor reservava ainda mais coisas! Numa visão, dentro desta Igreja, certa vez Francisco a viu iluminada por diversas luzes, com os anjos e a figura de Cristo e de Maria. E Cristo disse que Francisco podia pedir qualquer coisa e o santo de Assis, uma pequena porção pois já estava doente, já nem estava na plenitude de suas forças, solicitou que todos aqueles que chegassem na igrejinha, encontrassem a grandeza da misericórdia de Deus.
E assim foi feito. Só uma condição foi necessária: que o santo de Assis pedisse isso ao Papa. E assim ele fez. E o Papa concedeu que todos aqueles que nesse dia fizessem o itinerário de fé do arrependimento dos pecados, da busca da reconciliação com Deus através do Sacramento, da oração por ele e a confirmação da fé através do Creio, a oração que Cristo ensinou e a participação na Santa Eucaristia, alcançaria o perdão dos pecados. E o Papa perguntou a Francisco: “mas por quanto tempo isso?”. E Francisco disse: “Pai santo, não peço por anos, mas por almas”. E feliz, se dirigiu à porta, mas o Pontífice o reconvocou: “Como, não queres nenhum documento”? E Francisco respondeu-lhe: “Santo Pai, de Deus, Ele cuidará de manifestar a obra sua; eu não tenho necessidade de algum documento. Esta carta deve ser a Santíssima Virgem Maria, Cristo o Escrivão e os Anjos as testemunhas” (testemunho de Bartolomeu de Pisa).
Então, irmãos e irmãs, neste dia 02 de agosto novamente Deus escolhe uma pequena porção, talvez para nos confundir: a pequena porção do nosso coração. Tão aflito, tão pobre, tão cansado. Agora temos a certeza de sua misericórdia. E mesmo que tentemos parecer fortes diante dele, ele nos acolhe em nossa fraqueza. Aliás, por que ainda insistimos em parecer grandes, fortes, poderosos? Por que ainda nos iludimos com a sensação de que podemos dizer uma palavra de julgamento sobre tudo e sobre todos? Por que ainda pensamos que somos um prato cheio, quando, na verdade, somos uma pequena porção de ossos, carne, músculo e que dia após dia aproxima-se sempre mais do pó, o que fomos e o que seremos? Por que ainda nos ludibriamos achando que por sermos “de Igreja” ou então um pouco melhores que alguém somos capaz de nos estufarmos de orgulho?
Diante de tantas perguntas, a resposta pode ser que ainda vivemos iludidos com os sonhos de grandeza. Mas o que Deus realmente gosta é das pequenas porções. Pois é ali que ele pode completar e preencher com a sua graça.
Frei Gabriel Dellandrea