Com a finalidade de anunciar um produto algumas empresas se valem da estratégia de colocar nos mercados pequenas “provinhas” daquilo que querem vender. Pela provinha o comprador não se satisfaz plenamente do produto, mas já experimenta um pouco do que poderá levar.
O Evangelho de hoje pode ser interpretado como sendo essa “provinha”. Jesus concede aos seus discípulos uma pequena experiência da sua glória. Não é a ressurreição em si, mas um lampejo, um pequeno toque. E tem um motivo muito claro de Jesus dar uma provinha da sua glória para convencer os discípulos a levarem o produto final: é porque eles estavam assustados!
Antecedendo este trecho, o evangelista Marcos apresenta o anúncio tremendo de Jesus: que Ele deverá sofrer muito, ser rejeitado e ser morto. E ainda afirma que quem quiser segui-lo, deve também tomar a cruz; palavra vergonhosa para a época pois era a pior forma de morrer! Ora, os discípulos ficaram com medo. Quem não ficaria? Pedro até tenta dissuadir o Senhor mas depois é convidado ao episódio da transfiguração para receber a “provinha” da glória.
O anúncio da paixão e a transfiguração mostram que Jesus assumiu a dinâmica da nossa vida por inteiro. Os binômios morte-vida, humilhação-glória, sofrimento-felicidade são uma realidade em nossa existência. Jesus experimenta todos eles. Nós atravessamos em nossa existência o Calvário do sofrimento do dia a dia mas também os momentos das pequenas alegrias, assim como Jesus. Embora talvez fiquemos assustados com o sofrer, temos a fé que no fim a vida vencerá!
Mas para experimentar a alegria foi preciso que os discípulos sentissem o temor da morte. É como o chá de boldo. Antes do alívio das dores estomacais vem o amargor do chá. Amargo-doce, dor-plenitude. São coisas que experimentamos ao longo da subida da nossa vida para ir ao encontro de Cristo. Também, como Tiago, Pedro e João subimos o monte. Mas qualquer subida tem seu custo, seu esforço, seu cansaço. Porém o Senhor sobe conosco.
E no alto contemplamos a glória de Deus. O monte, na linguagem bíblica, é o lugar onde Deus habita. Ele mora no frescor da montanha, lugar de onde tudo enxerga para espalhar o seu amor. E Ele não é egoísta com sua casa, mas convida os seus filhos a percorrerem a escada para chegar até Ele. Esta escada é o próprio Jesus. É ele quem eleva a nossa humanidade para irmos ao encontro do Pai.
Sobre o monte vemos o Cristo transfigurado. Transfiguração tem uma tradução interessante. Se pegarmos o termo correspondente do grego encontraremos a palavra “metamorfose”. Este termo quer dizer “aparecer em outra forma que não a própria”. Jesus se apresenta no alto do monte para os discípulos não como o homem que andava com eles, mas um ser glorioso, revestido de uma nova forma. Assim como uma lagarta, ao sair do casulo, assume uma nova forma de borboleta, o Cristo, do meio das nuvens, assume a nova forma de glorioso.
A ressurreição, que acontecerá posteriormente, não é um evento isolado: em vida Jesus já demonstrou essa glória! Com isso os discípulos se animam. Entendem que a cruz faz parte, mas possuem uma prova da glória que virá! Eles saboreiam os frutos da contemplação da glória divina de Jesus. A transfiguração de Jesus contrabalanceia com o anúncio da paixão. Integra vida e morte não como coisas opostas, mas realidades de uma mesma existência!
Nós pedimos então a Jesus que assim como Pedro, Tiago e João tiveram a oportunidade de subir o monte da Transfiguração, nós também possamos sair do vale de nossas misérias e ir ao encontro de sua face transfigurada. Que nós tenhamos a visão sublime de júbilo e exultação da voz Dele nos chamando “Vinde, benditos de meu Pai”. Mas para irmos em passos mais rápidos à glória, precisamos também nos deixar transfigurar. Devemos mudar de figura, assumir uma outra forma de vida que não a da nossa vontade, mas a de Cristo, o verdadeiro Vivente!
Guimarães Rosa afirma que “o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – elas vão sempre mudando”. Não somos uma obra completa, terminada, mas podemos pedir como o salmista: “completai em mim a obra começada”.
Atingiremos a completude quando já não formos mais nós que vivermos, mas o próprio Cristo vivendo em nós. Ao contemplarmos a sua face gloriosa queremos torna-la um espelho ao qual todos os dias nos confrontaremos. Embora em alguns dias experimentamos as dores do discipulado, as exigências da vida cristã, eles não são um problema, mas a certeza de que o chamado tem produzido transformações em nós!
Por outro lado, nossa existência muitas são as ocasiões que uma alegria indizível se apodera de nós, talvez até mesmo por coisas simples. É Deus mesmo nos fortalecendo. A paz de um momento de oração, o dom do convívio fraterno alegre com nossos irmãos e irmãs, a sensação maravilhosa de não nos sentirmos sozinhos, a graça de sermos perdoados e amados, o dom glorioso de um conselho certo, de uma ajuda num momento de dificuldade podem ser, dentre tantas possibilidades, as pequenas provas da vida gloriosa que experimentaremos um dia. São as pequenas transfigurações da nossa existência.
Por isso o conselho do franciscano Inácio Larrañaga é eficiente: “segure os momentos fortes e os momentos fortes o segurarão nos momentos de fraqueza”. Que a Eucaristia que celebramos, a Palavra que ouvimos, o encontro que fazemos com o Senhor sejam essa ocasião forte para nos ajudar nos exercícios quaresmais que não tem um fim em si mesmo, mas possuem como única meta a nossa alegria completa em Jesus Ressuscitado, a nossa certeza de fé!
Imagem: detalhe do rosto do Cristo da Cruz de São Damião. Esta obra foi pintada por Frei Dito.
Frei Gabriel Dellandrea