“Homens, o que vocês estão fazendo?” (At 14,14)

Como ocupo o mesmo computador para fazer os textos para fazer o Conexão Fraterna e trabalhar – não me considero digital, mas analógica em evolução –, costumo ter a Bíblia sobre a mesma mesa do computador. Ela passou os últimos dias aberta na passagem descrita acima (e não fui eu quem abriu ali), me questionando cada vez que a lia.

Ela é extraída de uma narrativa de Paulo e Barnabé sobre a cura de um aleijado em Listra. Após a cura, “as multidões” passaram a identificá-los como personificações dos deuses gregos Zeus e Hermes e, pela cura, queriam oferecer-lhes sacrifícios. Foi difícil contê-los, ainda que a essas multidões Paulo e Barnabé lembrassem da bondade gratuita de nosso Deus, que tudo criou e nos deu o livre arbítrio, respeitando as nossas escolhas, ainda que nos aponte os seus caminhos (At 14,8-18).

Essa mesma passagem também vem nos questionar hoje: “O que vocês estão fazendo?”

Quantas vezes personificamos nossa adoração ao “deus” do dinheiro, do poder, da ganância!… Quantas vezes oferecemos as vidas alheias em sacrifício – seja pelo tráfico de drogas ou de pessoas, seja pela exploração dos bens da natureza feita sem o cuidado com as pessoas, com os animais e com a terra… Quantas vezes distorcemos os ensinamentos do próprio Cristo para caberem nas nossas vontades e benefícios…

Os “Paulos” e “Barnabés” dos dias de hoje parecem ter um trabalho mais difícil do que os de ontem porque hoje a concorrência que a “cultura da violência” oferece é esmagadoramente preponderante, já que se utiliza de todos os meios disponíveis – inclusive os da sobrevivência humana, em alguns casos – para se manter íntegra e ativa…

Neste período da Quaresma, tempo propício e convidativo para o questionamento de nossos valores e atitudes e para a conversão para os caminhos de Deus, esta é mais uma oportunidade de pensarmos sobre como vemos, assimilamos e praticamos os ensinamentos da Boa-Nova do Reino. Neste ano, em especial, a Campanha da Fraternidade nos lembra que “Todos somos irmãos e irmãs”, bem como que, como cristãos, a nós não deve bastar apenas que nós estejamos bem, mas que todos os que nos cercam também possam partilhar deste mesmo sentimento.

O Papa Francisco, na sua encíclica “Fratelli Tutti”, nos diz claramente seu objetivo ao nos deixar essas palavras, bem como nos conclama a sermos promotores da Paz, mesmo em um mundo que não a vivencie como prioridade nem a torne viável com seus valores aparentes: “8. Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade… 283. O culto sincero e humilde a Deus «leva, não à discriminação, ao ódio e à violência, mas ao respeito pela sacralidade da vida, ao respeito pela dignidade e a liberdade dos outros e a um solícito compromisso em prol do bem-estar de todos». Na realidade, «aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor» (1 Jo 4, 8) … 284… Cada um de nós é chamado a ser um artífice da paz, unindo e não dividindo, extinguindo o ódio em vez de o conservar, abrindo caminhos de diálogo em vez de erguer novos muros.” (junto do túmulo de São Francisco, Assis, 03/10/2020)

Com todos estes apontamentos, as perguntas são consequências inevitáveis: “O que priorizamos em nossas vidas, a fraternidade e a misericórdia ou os sacrifícios?” “Como vemos aqueles que nos falam de Deus?” “Após ouvirmos e lermos os ensinamentos de Deus, agimos de acordo com eles?” “Quais atos de nossas vidas traduzem, em sua integralidade, nosso entendimento de fraternidade?” “Que fazemos no nosso dia-a-dia para evitar que a ‘cultura da violência’ seja superada pela ‘cultura do encontro’?” “O que devemos fazer para nos tornarmos verdadeiros promotores da Paz?”

Os desafios para que o Reino de Deus seja aqui e agora são muitos… Bora trabalhar para transformarmos esse Reino em realidade?


Leila Denise

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