Senhora Presidente do Conselho de Segurança, senhor Secretário Geral, estimado grande Imã de Al Azhar.
Senhoras e Senhores:
Agradeço-lhes o amável convite para dirigir-me a vocês, que aceitei de bom grado porque estamos vivendo um momento crucial para a humanidade, no qual a paz parecer sucumbir ante a guerra. Os conflitos aumentam enquanto que a estabilidade se vê cada vez mais ameaçada. Estamos vivendo uma terceira guerra mundial em pedaços e, quanto mais passa o tempo, parece estender-se mais. O Conselho, que tem como missão velar pela segurança e pela paz no mundo, parece às vezes ante os olhos dos povos impotente e paralisado. Mas vosso trabalho, que a Santa Sé aprecia, é essencial para promover a paz, e precisamente por isso quisera exortá-los, veementemente, a afrontar os problemas comuns deixando de lado ideologias e particularismos, visões e interesses partidaristas, e cultivando um só propósito: trabalhar pelo bem de toda a humanidade. Com efeito, esperamos deste Conselho que respeite e aplique “a Carta das Nações Unidas com transparência e sinceridade, sem segundas intenções, como um ponto de referência obrigatório de justiça e não como um instrumento para disfarçar intenções espúrias”.
No mundo globalizado de hoje, todos estamos mais próximos, mas nem por isso somos mais irmãos. E mais, sofremos uma falta de fraternidade que se faz visível nas abundantes situações de injustiça, pobreza e desigualdade, e por falta de uma cultura de solidariedade. “As novas ideologias, caracterizadas por um difuso individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, fomentando essa mentalidade do “descarte”, que leva ao desprezo e ao abandono dos mais frágeis, porquanto considerados “inúteis”. Assim, a convivência humana se parece cada vez mais com um mero do ut des pragmático e egoísta”. Mas o pior efeito desta carência de fraternidade são os conflitos armados e as guerras, que não só tornam inimigas as pessoas como também povos inteiros, cujas consequências negativas repercutem por gerações. Com o nascimento das Nações Unidas parecia que a humanidade tinha aprendido a dirigir-se, depois de duas terríveis guerras mundiais, a uma paz mais estável; a converter-se, finalmente, em uma família de nações. Porém, parece que se esteja retrocedendo novamente na história, com o surgimento de nacionalismos fechados, exasperados, ressentidos e agressivos, que acenderam conflitos que não são somente anacrônicos e superados, como ainda mais violentos.
Como homem de fé creio que a paz seja o sonho de Deus para a humanidade. Sem dúvida, constato lastimosamente que por culpa da guerra este sonho maravilhoso se seja convertendo em pesadelo. É verdade, do ponto de vista econômico, a guerra atrai mais que a paz, enquanto favorece a ganância, mas sempre de uns poucos e em detrimento do bem estar de populações inteiras. O dinheiro ganho com a venda de armas é dinheiro manchado com sague inocente. Faz falta mais valor para renunciar a um ganho fácil e preservar a paz que para vender armas, cada vez mais sofisticadas e poderosas. Faz falta mais valor para buscar a paz que fazer a guerra. Faz falta mais valor para promover o encontro que para provocar o enfrentamento; para sentar-se em uma mesa de negociações que para continuar com as hostilidades.
Para construir a paz é necessário sair da lógica da legitimidade da guerra; se isto podia ter valor em tempos passados, nos quais os conflitos armados tinham uma capacidade mais limitada, hoje, com as armas nucleares e de destruição em massa, o campo de batalha se tornou praticamente ilimitado e os efeitos, potencialmente catastróficos. Chegou o tempo para dizer seriamente “não” à guerra, para afirmar que as guerras não são justas, só a paz é justa; uma paz estável e duradoura, não construída sobre o equilíbrio cambaleante da dissuasão, mas sobre a fraternidade que nos une. De fato, estamos a caminho sobre a mesma terra, todos como irmãos e irmãs, moradores da única casa comum, e não podemos escurecer o céu sob o qual vivemos com as nuvens dos nacionalismos. Aonde iremos parar se cada um pensa só em si mesmo? Por isso, todos quantos trabalham na construção da paz devem promover a fraternidade. É um trabalho artesanal que requer paixão e paciência, experiência e amplitude de olhares, tenacidade e dedicação, diálogo e diplomacia. E escuta; escutar o grito dos que sofrem por causa dos conflitos, e particularmente o das crianças. Seus olhos banhados de lágrimas nos julgam; o futuro que preparamos para eles será em breve o tribunal de nossas escolhas atuais.
A paz é possível, se a buscarmos verdadeiramente! Esta deveria encontrar no Conselho de Segurança “suas características fundamentais, que uma errônea concepção da paz faz esquecer facilmente: a paz deve ser racional, não passional; magnânima, não egoísta; a paz deve ser não inerte e passiva, mas dinâmica, ativa e progressiva à medida que justas exigências dos declarados e equânimes direitos do homem reclamem dela novas e melhores expressões; a paz não deve ser débil, inútil e servil, mas forte, tanto pelas razões morais que a justificam como pelo consentimento compacto das nações que a devem sustentar”.
Todavia, estamos a tempo de escrever um capítulo de paz na história. Podemos lográ-lo fazendo que a guerra pertença ao passado e não ao futuro. Os debates no seio deste Conselho de Segurança estão ordenados e servem a este propósito. Quisera insistir, uma vez mais, em uma palavra que gosto de repetir porque a considero decisiva: fraternidade. Esta não pode ficar como uma ideia abstrata, mas converter-se em um ponto de partida concreto; é, de fato, “uma dimensão essencial do homem, que é um ser relacional. A viva consciência deste caráter relacional nos leva a ver e a tratar a cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem ela, é impossível a construção de uma sociedade justa, de uma paz estável e duradoura”.
Pela paz, por toda iniciativa de paz e processo de paz, lhes asseguro meu apoio, minha oração e a de todos os fiéis católicos. Faço votos para que não só este Conselho de Segurança, como toda a Organização das Nações Unidas, todos seus Estados membros e cada um de seus funcionários, possam prestar um serviço eficaz à humanidade, assumindo a responsabilidade de custodiar não só o próprio futuro, mas o de todos, com a audácia de renovar agora, sem medo, tudo o que seja necessário para promover a fraternidade e a paz do planeta inteiro.
“Felizes o que trabalham pela paz” (Mt 5,9).
Papa Francisco
Tradução de: Leila Denise
Discurso à Organização das Nações Unidas (25 de setembro de 2015).
Mensagem para a XLVII Jornada Mundial da Paz (1º de Janeiro de 2014).
Cfe. Carta enc. Fratelli tutti, 11.