Anos atrás, ainda solteira, teve um período no qual eu costumava escrever sobre assuntos sérios – para desabafar, para registrar ideias –; um destes textos, ao qual denominei à época “O Ato de Julgar”, falava sobre as situações que costumamos observar ao longe. E, sem conhecer a realidade com intimidade, dar opiniões e soluções, “julgando” a correção ou não das atitudes tomadas pelos envolvidos, bem como sobre a dificuldade de quem, por ofício, precisa decidir sobre o certo e o errado (e o peso que disso se origina).
Passados mais de vinte anos (e ainda atuando na mesma área profissional), pouco percebo mudança na sociedade em relação ao que observava naquele período. Talvez as mudanças mais acentuadas sejam as nuances das cores e a “violência” usadas para aceitar ou rechaçar ideias, atitudes e pensamentos, independentemente a quais correntes filosóficas, políticas ou ideológicas pertençam.
É lamentável observar esta realidade, porém, me parece que as atitudes que utilizam de misericórdia são, a cada dia, mais esquecidas – e, quando lembradas, mais exaltadas, devido à contínua escassez –, servindo inclusive de motivação de chacota e piadas para quem não as pratica.
“Dar a miséria do seu coração”, aos olhos de muitos, é uma atitude em desuso, démodé – piegas, até.
A pergunta que eu me faço hoje, que não consigo evitar:
“A Misericórdia que Cristo ensinou e vivenciou também o torna ‘fora de moda’ o suficiente para que tenhamos ‘pudores’ para praticar os seus ensinamentos?”
Porque Jesus Cristo, durante toda a sua vida pública, deu inúmeras provas de que o Amor que vivia e ensinava não era possível sem a prática da Misericórdia. Lembro de três exemplos agora que gostaria de mencionar: a parábola do Bom Samaritano (Mt 22,34-40; Mc 12,28-34; Lc 10,25-37), o encontro de Jesus com a adúltera (Jo 8,1-11) e a paciência de Jesus com Tomé após a ressurreição (Jo 20,19-29), que celebramos na chamada “Oitava de Páscoa”.
O Francisco de hoje, logo no início (item 2) da Carta Apostólica “Misericordia et misera”, nos lembra que “Nada que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do seu perdão. É por este motivo que nenhum de nós pode pôr condições à misericórdia; esta permanece sempre um ato de gratuidade do Pai celeste, um amor incondicional e não merecido. Por isso, não podemos correr o risco de nos opor à plena liberdade do amor com que Deus entra na vida de cada pessoa. A misericórdia é esta ação concreta do amor que, perdoando, transforma e muda a vida. É assim que se manifesta o seu mistério divino. Deus é misericordioso (cf. Ex 34,6), a sua misericórdia é eterna (cf. Sal 136/135), de geração em geração abraça cada pessoa que confia n’Ele e transforma-a, dando-lhe a sua própria vida.”
E complementa no mesmo documento (item 16): “A misericórdia renova e redime, porque é o encontro de dois corações: o de Deus que vem ao encontro do coração do homem. Este inflama-se e o primeiro cura-o: o coração de pedra fica transformado em coração de carne (cf. Ez 36,26), capaz de amar, não obstante o seu pecado. Nisto se nota que somos verdadeiramente uma ‘nova criação’ (Gal 6,15): sou amado, logo existo; estou perdoado, por conseguinte renasço para uma vida nova; fui ‘misericordiado’ e, consequentemente, feito instrumento de misericórdia.”
E, depois de meditar sobre tudo isso, inevitável pensar: “Agraciado(a) pela Ressurreição em Cristo, qual a minha atitude sobre a Misericórdia: estar ‘fora de moda’ e ‘misericordiado(a)’; ou estar ‘na crista da onda’, julgar os outros e fazer o que é bom só para mim mesmo(a)?”
Ainda que seja necessária a sinceridade na sua resposta, também seja misericordioso consigo mesmo…
Paz e Bem!
Leila Denise