“É difícil entrar um rico no Reino dos Céus”(Mt 19,23)

Esta sempre foi uma frase que me despertou muito desconforto quando era criança. Cresci numa família com uma condição social razoável, de classe média, e não posso dizer que passei fome ou qualquer necessidade material – claro, tivemos momentos em que precisamos “apertar o cinto”, abrir mão de alguns supérfluos, mas nunca me vi como pobre – e, também por causa dessa passagem, afastava mentalmente a possibilidade de ser rica.

Com os debates sociais inflamados e a polarização crescente dos últimos anos, também cresceram em mim o desejo de ser uma pessoa melhor – até porque, no decorrer do caminho, abracei o matrimônio e a maternidade, dois aspectos que, por si só, já nos fazem questionar e “incentivar” a sermos sempre pessoas melhores.

Hoje eu tenho uma visão diferenciada sobre esse tema, que ainda me causa certo temor, mas esse temor é de exercer essa “riqueza” mencionada por Jesus no Evangelho. E é neste ponto que quero chegar.

Este é um tema sempre belicoso, tanto nos ambientes sociais quanto nos religiosos. A Igreja sempre fez uma especial opção pelos pobres. Isso é claro nos documentos (inclusive “Pré-Francisco”) e nos ensinamentos evangélicos. A irmã franciscana que acompanhou nosso grupo de jovens por mais de vinte e cinco anos costumava me dizer, em conversas reservadas, que a Igreja precisava ser lembrada que, ainda que tivesse opção pelos pobres, precisava cuidar dos ricos, porque eram eles que possibilitavam a essa mesma Igreja poder ajudar os pobres.

Trouxe este assunto porque, ao ler o documento da Síntese da Diocese de Lages (SC) para o Sínodo (convocado pelo Papa Francisco), me deparei com uma frase que mexeu com esse viés: “No sentido do testemunho evangélico, postula-se que a Igreja precisa ser pobre junto com os pobres, para ser Igreja de Jesus, sem desprezar os ricos, mas estando ao lado dos excluídos.”

Lendo isso, me lembrei que, assim como eu faço, meus pais criaram um casal de filhos; e sempre havia aquela provocação do “filho preferido” e da “filha preferida”. Como mãe, sei que gostamos de cada um de nossos filhos igualmente; porém, pode parecer que temos um preferido porque normalmente, por algum motivo ou condição, em um momento específico, um deles precisa mais da nossa atenção. Assim é para a Igreja: o pobre precisa mais de atenção e de cuidados do que o rico.

Mas há vários tipos de pobreza e de riqueza. O sentido comum é que o pobre é aquele que não tem condições financeiras. Mas é necessário nos perguntarmos: Como se pode dizer que alguém que tem tudo que o dinheiro pode comprar não possa ser, ao menos por um momento, pobre de carinho, de atenção, de cuidados, de empatia e de compaixão? E como se pode dizer que alguém é pobre se tem o amor de sua família / comunidade; é respeitado em seu trabalho pela sua honradez / caráter e se compadece das mazelas de seus irmãos?

O Francisco de hoje também tem algumas palavras que podem se encaixar nesse meu entendimento:

“Há uma pobreza que nos torna ricos. Recordando a ‘graça’ de Jesus Cristo, Paulo quer confirmar que o próprio Senhor pregou, ou seja, que a verdadeira riqueza não consiste em acumular ‘tesouros na terra onde a traça e a ferrugem corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar’ (Mt 6,19), mas, antes, no amor recíproco que nos faz carregar os fardos uns dos outros, para que ninguém seja abandonado ou excluído… não estamos no mundo para sobreviver, mas para que, a todos, seja consentida uma vida digna e feliz. A mensagem de Jesus mostra-nos o caminho e faz-nos descobrir a existência duma pobreza que humilha e mata, e há outra pobreza – a d’Ele – que liberta e nos dá serenidade.”

(Mensagem para o VI Dia Mundial dos Pobres, 2022)

Hoje, minha percepção é (bastante simplista, assumo) que é muito mais fácil sermos pobres do que ricos – porque, no meu entendimento, o pobre é aquele que, em algum momento, precisa de alguma coisa ou sentimento, e o rico é aquele que, seja através da partilha ou dos bons sentimentos e atitudes, de alguma maneira, pode escolher ajudar.

E você, que foi rico em paciência e curiosidade para ler até aqui, se sente rico ou pobre de Deus hoje?

Um abraço fraterno.

Leila Denise

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