A edição do “Em Fraternidade”, deste mês de agosto, recebe a Irmã franciscana Alice Antunes, para falar sobre Santa Clara de Assis, uma jovem que ilumina. Segundo ela, hoje, o convite de Clara é de termos a capacidade de ver a dor do outro e nos sensibilizar, assim como quem acolheu na pobreza de um estábulo a família de Nazaré.
Irmã Alice, partilha de sua experiência junto à comunidade Puente Kyjhá, no Paraguai, onde residiu e fez missão por um tempo. “Para discernir o caminho ao qual Jesus nos chama e nos envia é preciso ter coragem e ousadia”, revelou. “Nesse aspecto, podemos aprender com a nossa amiga Clara de Assis a olhar para a história e para o momento atual, e ver os pequenos sinais de Deus que se manifestam”, completou.
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Clara de Assis é minha inspiração como jovem consagrada. Uma mulher corajosa, que renunciou a seus bens, ao título de nobreza e a um noivado arranjado pelos seus familiares, para seguir com total entrega e fidelidade a Jesus Cristo pobre e crucificado, a exemplo de Francisco de Assis. Com uma profunda clareza e convicção, Clara rompeu com os paradigmas de seu tempo: hierarquias, poder, privilégios e riquezas. Desejou ardentemente viver a simplicidade, a minoridade, a pobreza e a irmandade, seguindo como forma de vida o Santo Evangelho.
O itinerário vocacional de Clara me atrai e ilumina. Ela me ensina a ver o mundo com outros olhos, a contemplar vários rostos sofridos de pobres marginalizados e de realidades controversas, e neles encontrar o próprio Cristo. Hoje, no mundo em que vivemos e em tempos de pandemia, é preciso considerar que a vida de cada ser humano tem um valor primordial. Em meio a tantas dores e sofrimentos, é preciso contemplar os sinais de esperança, de solidariedade e de fraternidade que unem tantas pessoas desconhecidas, frente ao cuidado com o próximo.
Sou Alice Antunes dos Santos, natural de Blumenau (SC), Irmã Catequista Franciscana há três anos e meio. Atualmente moro em Florianópolis (SC). Entre as experiências que vivi, quero destacar um aspecto do tempo em que estive morando em Puente Kyjhá, no Paraguai.
Logo ao chegar, assumi uma turminha de catequese em um bairro pobre, chamado Vírgen de Caacupe. As condições eram precárias, não havia igreja, a catequese era dada em um barracão todo aberto e de chão batido. As crianças tinham sede de aprender. No dia de missa da catequese nos reuníamos no barracão, para caminharmos cerca de 1km até chegar à Paróquia Santa Catalina de Alejandria. Era uma alegria! Trago este exemplo para dizer que a simplicidade e o desejo ardente de seguir a Cristo superam qualquer desafio, e quem ama e acolhe algum destes pequeninos, diz Jesus, é a mim que acolhe (Mt 18,5). Clara afirma em seu Testamento: “demonstrai por fora, por meio de boas obras, o amor que tendes dentro” (Test 59). Isso procurei vivenciar durante a experiência missionária naquela realidade.
Outro aspecto que gostaria de ressaltar de Santa Clara é a contemplação do Mistério da Encarnação, expressa através de três verbos fundamentais, presentes na quarta carta de Clara a Inês de Praga: olhe, considere, contemple.
“Olhe no princípio do espelho: a pobreza daquele que envolto em panos foi posto no presépio! Admirável humildade, estupenda pobreza. O Rei dos anjos repousa numa manjedoura”
(4In 19-21)
Olhar a pobreza do Filho de Deus, que sendo de condição divina assumiu a forma humana despojando-se de tudo, como afirma Paulo na carta aos Filipenses (2,6-7). Quão importante é o olhar, eu percebi mais precisamente durante a pandemia, pois o uso necessário da máscara fez com que os olhos estivessem mais em evidência. Muitas vezes nos prendemos a uma telinha de celular ou TV e esquecemos o quanto é importante nos olharmos e olhar a realidade mais ampla. Hoje, o convite que Clara faz para mim e para você é de termos a capacidade de ver a dor do outro e nos sensibilizar, assim como quem acolheu na pobreza de um estábulo a família de Nazaré, e os pastores que receberam a mensagem do anjo, foram às pressas e encontraram Maria e José e o Menino deitado em uma manjedoura (Lc 2,16).
“No meio do espelho, considere a humildade, ou pelo menos a bem-aventurada pobreza, as fadigas sem conta e as penas que suportou pela redenção do gênero humano”
(4In 22)
Considerar a humildade com que Jesus assumiu a missão salvífica do Pai, fazendo-se servo, anunciando e realizando sinais do Reino, enfrentando inúmeros desafios, até sofrer a morte na cruz. Não é fácil compreender esse mistério e deixar que ele nos ilumine. Muitas vezes tive dificuldade de assumir a cruz em minha caminhada. Mas Clara me ensinou que em todos os momentos difíceis da vida é preciso ser humilde, parar e considerar o caminho percorrido, sem perder de vista o ponto de partida, e ter a coragem de recomeçar sempre.
“No fim desse mesmo espelho, contemple a caridade inefável com que quis padecer no lenho da cruz e nela morrer a morte mais vergonhosa”
(4In 23)
Contemplar a caridade do Filho de Deus que no auge do seu amor pela humanidade se entregou por nós. Isso é fascinante! O amor é o maior mandamento, e nesta pandemia se realçou que este gesto se caracteriza pelo cuidado da vida. Na irmandade onde vivo, sinto muito presente o amor mútuo e fraterno, no cuidado quando alguma coirmã está doente, nos momentos de partilha e oração, nos diferentes serviços que assumimos. Também a solidariedade com as pessoas que vêm bater à nossa porta pedindo ajuda, e a solidariedade entre nós, especialmente na perda de alguém da família pela Covid-19.
Termino dizendo que para discernir o caminho ao qual Jesus nos chama e nos envia é preciso ter coragem e ousadia. Nesse aspecto, podemos aprender com a nossa amiga Clara de Assis a olhar para a história e para o momento atual, a considerar e contemplar os pequenos sinais de Deus que ali se manifestam. Eles são um convite a colocar os nossos dons a serviço do Reino, sem medo, sem insegurança, tendo como projeto de vida o seguimento dos passos do jovem Jesus de Nazaré, que ainda hoje caminha conosco, e como fonte de espiritualidade a proposta de vida de Clara e Francisco de Assis.
Um fraterno abraço. Paz e Bem!
Irmã Alice Antunes dos Santos, Catequista Franciscana!