‘Foi a Mim que o fizestes’ (Mt 25, 40)

Vivemos um momento mundial de acontecimentos tristes: pandemia, mortes, doenças, tristezas, perdas e dores. Justamente nestes momentos, onde a luz parece se esvair, são aqueles de onde surgem os maiores luzeiros, as maiores inspirações, normalmente através de pequenos gestos que traduzem toda a bondade e misericórdia de Deus – e a História é prova disso.

Nos tempos de São Francisco de Assis, o mundo era assolado pela presença e visão de hereges e heresias; um mundo onde o feudalismo imperava e o mercantilismo nascia; um mundo onde era latente a desigualdade entre nobres e campesinos, que concorriam sua presença no mundo com aqueles que faziam do dinheiro sua vida.

Francisco e Clara foram e ainda são sopros do hálito do amor de Deus em nossas vidas. Naquele período sombrio da História, inspiraram muitos e muitos a seguirem o caminho do amor e da misericórdia, trazendo uma revolução sem armas para aquele período e auxiliando, de várias formas, no nascimento de novas maneiras de vivenciar a fé, existentes até hoje.

Mas a frase do título de hoje é onde quero focar minha real atenção. Ela foi proferida num contexto onde são citadas as Boas Obras Evangélicas (matar a fome e a sede, acolher o estrangeiro, vestir o nu, cuidar do doente, visitar o preso) e o que elas representam em linguagem apocalíptica: o Julgamento Final, tão temido e, na prática, tão deixado de lado pelo ser humano.

Quando estava na idade de ir na catequese, este texto em particular mexia muito comigo, porque eu via nele alguém superpoderoso, alguém que podia fazer muito pelo outro, alguém muito diferente de mim. Sempre me senti muito impotente com relação a gestos práticos, pois minhas ações são muito mais próximas da teoria que da prática – resumindo, sempre me senti alguém bastante covarde…

Porém, com toda essa situação da pandemia, muitas coisas foram se desenhando de forma diferente em meu entendimento. “Matar a fome e a sede”, além da analogia da afetividade e da sexualidade já conhecidas, também tem a ver com abraços e carinhos que o isolamento social nos afasta; “acolher o estrangeiro” pode significar acalentar uma pessoa com valores e costumes diferentes daqueles que são os teus; “vestir o nu” é dar dignidade a pessoas que estão despidas de seus direitos básicos, inclusive como cidadãos; “cuidar do doente” não é só daquele que padece da doença, mas de todos os que sofrem por causa da doença com ele; “visitar o preso” pode ser alcançar alguém que está acorrentado a amarras sociais que o limitam para vivenciar o amor, a autoaceitação, o preconceito…

E como temos olhado para essas pessoas neste período? Como as vemos? Todas essas pessoas que estão vivendo à nossa volta, gritando com os olhos por nosso auxílio, por nosso socorro…?

Seria um consolo enorme saber que, em qualquer gesto que eu faça – seja um sorriso, um abraço, uma piscadela infantil, um afago no rosto, uma doação de gêneros e víveres, um trabalho oferecido (ainda que bico e ocasional), um momento de ouvir alguém que precisa falar – é a Ele que poderei estar fazendo…

O Francisco de hoje, o papa, nos lembra que também temos a capacidade, todos nós, de fazer algo: “Nós podemos fazer milagres com a generosidade. A generosidade das pequenas coisas, poucas coisas. Talvez não façamos isso porque não pensamos. A mensagem do Evangelho nos faz pensar: como posso ser mais generoso? Um pouco mais, não muito…” (26/11/2018), quase como se desculpando, dizendo sem dizer que pode ser difícil fazer algo tão grande e forte e poderoso…

Sobre este período da pandemia, ele também nos lembra: “De uma crise, sai-se melhor ou pior. Temos que escolher. E a solidariedade é precisamente o caminho para sair melhor da crise… Em meio a crises, uma solidariedade guiada pela fé nos permite traduzir o amor de Deus em nossa cultura globalizada, não construindo torres ou muros – e quantos muros estão sendo construídos hoje – que dividem, mas depois desabam, mas depois tecendo comunidades e apoiando processos de crescimento verdadeiramente humanos e sólidos. E para isso ajuda a solidariedade” (Audiência Pública, 02/09/2020).

E o que eu farei a Ele? E o que você fará? Está lançado…

Fraternalmente,

Leila Hack

Crédito da imagem: Clemência Vieira

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