“Ir em missão é um imperativo de todos nós batizados”

A primeira edição do “Em Fraternidade” de 2021 recebe com grande alegria e irmandade Frei João Manoel Zechinatto. Natural de Amparo (SP), fez sua primeira profissão na Ordem dos Frades Menores no dia 08 de janeiro de 2018. Recém chegado de Angola, onde fez parte de seu Ano Missionário, Frei João partilha sobre sua experiência missionária em terras angolanas.

Mesmo que abreviada, mas não menos intensa, a experiência de ser estrangeiro num país distante é “algo intrigante e enriquecedor”, revelou. “A dinâmica própria de estar na dependência e no aprendizado constante nos inquieta, mas também nos deixa maravilhados”, afirmou.

Segundo ele, ir em missão não é um encargo de poucos, mas imperativo de todos nós batizados, chamados à santidade. “Diante de tantos desafios e dificuldades que esse ano nos trouxe, houve espaço para louvar e bendizer a Deus por também todas as graças concedidas e alcançadas”, completou.


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“Eu estarei sempre contigo…” (Mt 28,20

Assim como o Brasil, Angola também é uma nação que teve influência direta de Portugal em sua história. A independência, no entanto, veio bem mais tarde que nós, só em 1975 o povo angolano tornou-se definitivamente livre da influência portuguesa e pôde galgar a sonhada soberania nacional. Os anos que se seguem à independência marcam um conturbado período da história desse país, uma triste Guerra Civil que afligiu e dividiu por décadas este povo. Entre os mais idosos a memória do tempo da guerra ainda permanece, todos tem um parente ou conhecido que tombou neste conflito. Entre os mais novos há um sonho e o desejo por uma pátria mais moderna e ágil que faça jus à grandeza e às riquezas dessa terra abençoada. Angola é privilegiada com enormes reservas de petróleo e pedras preciosas, em especial, a pedra mais cobiçada do planeta: o diamante.

Quedas de Kalandula em Malanje, Angola. Foto: Acervo Pessoal.

Há laços bem amistosos entre Angola e o Brasil, creio que muito facilitado pela língua. Somos ambos falantes da língua portuguesa. Por isso, há um grande consumo de cultura brasileira em Angola, mais notadamente através das emissoras de televisão e da música. O carinho e o apreço também está em alta conta entre ambas nações e seus povos, muitos angolanos residem no Brasil como também muitos brasileiros estão em Angola.

Os frades menores estão em Angola há exatos trinta anos. Sob o impulso da exortação do Ministro Geral da Ordem da epóca, Frei John Vaugnh, que conclamou os franciscanos do mundo inteiro com a exortação “A África nos chama”, nossa Província da Imaculada Conceição do Brasil comemorou os seus 100 de restauração de um modo bem concreto. Assim como um dia os alemães vieram em missão restaurar a Província, também os frades do Brasil partiram  em missão seguindo o sopro do espírito. Uma resposta em ação de graças por tudo o que receberam do Senhor. A presença em Angola já desde seu início viveu ardores proféticos. Iniciar uma presença religiosa não é uma tarefa simples, foram anos de árduo trabalho que se seguem até os dias de hoje. No início os frades viveram também sob os temores da guerra, mas a mão de Deus que nunca falta aos seus, impulsionou para hoje termos em solo angolano a Fundação Imaculada Mãe de Deus, uma das entidades mais prósperas em vocações de toda a Ordem Franciscana.

Fraternidade da Porciúncula em Viana, Angola. Foto: Acervo Pessoal.

Devido a pandemia do coronavírus minha experiência missionária em terras angolanas precisou ser abreviada, o que era para ser um ano, se resumiu a três meses. Um tempo breve, mas nem por isso menos intenso. A experiência de ser estrangeiro num país distante é algo intrigante e enriquecedor. A dinâmica própria de estar na dependência e no aprendizado constante nos inquieta, mas também nos deixa maravilhados. Tudo é novo e por ser novo, no meu ver, é incrível. Muitas pessoas que fazem a experiência de estar em outro país e outra cultura são tentados a se fixarem numa eterna comparação entre a terra natal e a nova morada. Claro que a comparação é inevitável, porém, como diz o ditado: ou você vive no mundo em que está, ou não viverá nada. Sob a tônica desse olhar é que todas as diferenças e novidades não ficaram sob o prisma do melhor ou pior, mas sob o enfoque do “que legal” e do “que bacana”. O olhar que damos ao mundo e tudo o que o cerca diz muito sobre como o próprio mundo será, porque talvez as coisas não sejam o que são, pura e simplesmente, mas são da forma como escolhemos dizer que são. Tudo na vida é uma questão de narrativa. Os fatos estão ali, mas como contá-los e narrá-los diz muito sobre nós próprios. Creio que estar esse tempo em Angola fez com que eu percebesse a importância de que muito do que o mundo é depende dos nossos próprios olhos para com esse mesmo mundo.

Frades estudantes do Tempo da Filosofia, 2020. Foto: Acervo Pessoal.

Algo ajuda muito: a alegria e a simpatia do povo angolano. Mesmo sob adversidades e duros trabalhos, estão sempre a se ajudar e a rir, e que risada! Sempre efusiva e contagiante. São pessoas genuinamente alegres que aprenderam que mais vale nessa vida agradecer sempre, mesmo no pouco, do que lamentar e se lamuriar. Existe um canto angolano, tirado do Salmo 115, eis a letra do canto: “Como hei de agradecer a tamanha graça que o Senhor me concedeu? Ô Meu Deus, como hei e agradecer?” Esse canto é muito cantado em diversas ocasiões, sempre retratando um louvor e ação de graças a Deus por todas as bênçãos que ele nos concede. Na missa em ação de graças pelo ano de 2020 em que participei em Angola, houve um momento na celebração em que foi feito um memorial de todas as batalhas e dificuldades que passamos nesse ano de pandemia. Terminado a recordação o coral cantou esse canto tirado do Salmo 115. Espontaneamente várias meninas e mulheres se levantaram e começaram a dançar. Uma alegria e emoção tomaram conta da assembleia ali reunida. Foi difícil conter a emoção. Diante de tantos desafios e dificuldades que esse ano nos trouxe, houve espaço para louvar e bendizer a Deus por também todas as graças concedidas e alcançadas. Momentos memoráveis como este ensinam-nos da vida naquilo que ela tem mais sagrada e nobre. Fala de uma sabedoria despojada de elucubrações e artificialidades. Nos conduz para a gratuidade de um amor genuíno, um amor como o de Jesus Cristo, independente de respostas e ganhos, sempre pronto a transbordar e transformar. Tudo o que somos e temos são oferecidos ao Sumo Bem, nosso Pai Celeste.

Frei João em Luanda, Angola. Foto: Instagram – Acervo Pessoal.

Acredito que todos nós somos chamados a alguma missão nesse mundo. Uma vida irrefletida é um peso extenuante. Todos caminhamos na escuta atenta de algo que confira sentido e propósito à nossa existência e tempo neste mundo. Não uma vida vivida no descuido e na distração, mas na atenção de quem ao escutar o chamado de Deus está por escutar o íntimo de nós mesmos. Lutar por uma vida que tenha significado nessa descoberta do nosso próprio caminho é o que talvez ajude a fazer desse mundo um lugar melhor. É no sonho do Reino de Deus externado um dia por Jesus que seguimos firmes nessa escuta e luta. Ir em missão não é um encargo de poucos, mas imperativo de todos nós batizados, chamados à santidade. Que cada um de nós possa encontrar seu lugar de missão, aonde o Senhor nos chama, nos envia e principalmente, nos sustenta. Pois Deus é bom e bom em todo o tempo! A mim tomo do Salmo 115 aquilo que tanto cantei e vivi em Angola: Como hei de agradecer a tamanha graça que o Senhor me concedeu?

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