O Conexão Fraterna recebe o jovem franciscano, Frei Gabriel Dellandrea, para falar sobre um tema recorrente, importante e desafiador: “O ódio entre cristãos na internet”. Quotidianamente temos vivenciado discursos violentos, intolerantes e nem um pouco ecumênicos. Recentemente duas Igrejas foram incendiadas no Chile, e inúmeras foram atacadas com a destruição de imagens e profanação dos ambientes sagrados. Tais ações, muitas vezes começam nos ambientes digitais e se expandem.
Para Frei Gabriel, um dos caminhos a se seguir é a busca pela unidade. “Nós, profetas da fraternidade, discípulos de Jesus, estamos passando vergonha, fazendo feio, quando pedem o nosso testemunho de amor e o que oferecemos são palavras odiosas uns para com os outros”, revelou.
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O campo virtual, especialmente as redes sociais, tem sido um espaço privilegiado para a evangelização. Não se duvida que esta realidade está cada vez mais presente, especialmente neste período de pandemia, onde a realidade da Pastoral da Comunicação, com lives e maior engajamento no modo virtual, se viu mais valorizada e necessária. Porém, tal transformação, mesmo antes da pandemia, traz um lado preocupante: a manifestação de algumas opiniões em páginas católicas, especialmente juvenis, ou por parte dos jovens, seja no conteúdo principal ou nos comentários, que, segundo minha percepção, estão em total desacordo com um modo de proceder cristão em redes sociais.
Não estou aqui dizendo que a nossa vivência de fé precisa ser “paz e amor”, “mamão com açúcar” ou que nós nunca devemos utilizar uma voz profética diante dos erros que vemos. Jesus mesmo se utiliza de palavras fortes (hipócritas – Mt 22,18) ou gestos motivados de maior energia contra os vendilhões do templo, destruindo suas barracas de venda, por exemplo (Jo 2,13-17). Porém, esta prática enérgica de Jesus também se encontra no caminho de oferecer uma correção fraterna assertiva, como em Mt 18, 15-20, onde antes de se deixar “perder” o irmão, Cristo convida que é preciso tentar ganha-lo pelo modo caridoso de correção. O mesmo Jesus também, em diversas ocasiões, corrige e “coloca no caminho” Pedro, que muitas vezes acerta e erra em seu discipulado.
Creio que ter uma opinião sobre alguém ou emitir a mesma de modo fraterno para a pessoa é algo que somos capazes de fazer. Sem julgamentos pré-concebidos, mas na busca de tentar “salvar o irmão”, vivendo um intenso laço de amizade. O que alerto é para a tênue linha entre discordar com a opinião pessoal e lhe faltar com o respeito, acusando-a e injuriando-a, fechando qualquer possibilidade de diálogo e uma assertiva e fraterna forma de crescimento mútuo.
Observando essa análise de conjuntura, fica evidente que a praça pública das redes sociais hoje é um campo democrático de manifestação da própria opinião. Mas mais do que termos a certeza de que podemos nos manifestar, como cristãos, precisamos estabelecer uma lógica assertiva, moderada e fraterna, a fim de que vivenciemos aquilo que Jesus deixa claro em seu “testamento” enunciado pelo evangelista João: “Nisto vos reconhecerão como meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). Ao contrário disso, ao evidenciarmos essa quase que “guerra católica online”, percebemos que estamos dando contratestemunho, nos distanciando de um verdadeiro espírito de Igreja em saída, especialmente dos jovens.
Então diante da “guerra católica online”, é preciso parar pois está feio. Apesar de estarmos, muitas vezes, nas “trincheiras” também, reconheço que essa forma violenta e fratricida não colabora em nada com o nosso testemunho cristão. Isso sem entrar no mérito do diálogo inter-religioso, o que se torna pior. Nós, profetas da fraternidade, discípulos de Jesus, estamos passando vergonha, fazendo feio, quando pedem o nosso testemunho de amor e o que oferecemos são palavras odiosas uns para com os outros.
Uma postura necessária para a unidade: o diálogo
O Papa Francisco dedica a sua última e recém-lançada Encíclica “Fratelli Tutti” sobre o tema da fraternidade, oferecendo excelentes contribuições sobre este tema. Entretanto é já na “Evangelii Gaudium”, que o Pontífice exerce a sua missão de lançar bases para a construção de pontes, não muros, entre nós! No capítulo sobre a Dimensão Social da Evangelização, no que se refere ao bem comum e a paz social, o Papa lança quatro princípios para o “desenvolvimento da convivência social e a construção de um povo onde as diferenças se harmonizam dentro de um projeto comum” (E.G. 221). Francisco mesmo reconhece que toda realidade social está sujeita às tensões bipolares, e por isso, enquanto Igreja, não estamos de fora.
Os quatro princípios enunciados pelo Papa são de suma valia para esta reflexão, mas vou me pautar em um deles para oferecer uma resposta aos tempos de “guerra santa virtual” que vivemos em redes sociais: A UNIDADE PREVALECE SOBRE O CONFLITO (E.G. 226-230). O papa ressalta, primeiramente, uma realidade que deve ser aceita: a possibilidade do conflito, que é uma perspectiva real, mas que tal constatação não deve impedir uma busca de resolução do mesmo. Aceitar o conflito não significa cruzar os braços, mas buscar resolvê-lo. Por isso, para o pontífice, a forma adequada de enfrentar o conflito é resolvê-lo e transformá-lo no elo de um novo processo (E. G. 227).
Isso é um indicativo para o método proposto por Francisco de transformar o conflito em um novo processo. É mais ou menos como a experiência de Francisco de Assis ao abraçar o leproso: converter o amargo em doçura. O método proposto pelo Papa e explicado por Scanonne sugere que o meio mais assertivo para atingir essa finalidade da resolução do conflito é o diálogo, por mais doloroso que seja “porque os adversários devem renunciar a se autoabsolutizar ou a fetichizar ideologicamente a sua própria posição, a fim de reconhecer a verdade parcial do outro”[1]. Fazer tal movimento é aquilo que o Papa sempre repete sobre a busca de afastar-se da autoreferencialidade. Podemos lembrar do famoso ditado popular: “ninguém é tão pobre que não pode oferecer algo a outro e ninguém é tão rico que não possa receber algo de alguém”.
Hoje, nas redes sociais, assistimos um “mata-mata” virtual entre cristãos. Espero que não cheguemos ao uso da violência corporal! No entanto, ao ofender e machucar com julgamentos que desonram e difamam, já estamos “matando”, ou como se costuma utilizar na internet, “cancelando” a pessoa. O Papa Francisco termina a sua ideia sobre a unidade que prevalece sobre o conflito, que também é nossa conclusão, afirmando: “o anúncio da paz não é a proclamação de uma paz negociada, mas a convicção de que a unidade do Espírito harmoniza todas as diversidades. Supera qualquer conflito numa nova e promissora síntese. A diversidade é bela, quando aceita entrar constantemente num processo de reconciliação até selar uma espécie de pacto cultural que faça surgir uma diversidade reconciliada” (E.G. 230).
Paz e Bem!
Frei Gabriel Dellandrea
[1] SCANONNE, Juan Carlos. A TEOLOGIA DO POVO: RAÍZES TEOLÓGICAS DO PAPA FRANCISCO. São Paulo: Paulinas, 2019, p. 267.
Ilustração de destaque de Frei Gabriel Dellandrea