Frei Marx: “Que todos tenham vida”

A Semana Laudato Si’ homenageia o quinto aniversário da Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado com a Casa Comum. Teve início no último sábado (16/05), e se concluirá no dia 24 de maio, às 12 horas, com o Dia Mundial de Oração por toda Criação. É uma iniciativa promovida pelo Vaticano, que conta com o apoio de milhões de católicos espalhados pelo mundo todo. O Conexão Fraterna tem a alegria de ser um dos parceiros oficiais deste evento, que possui como tema “tudo está interligado”.

“Renovo meu chamado urgente a responder à crise ecológica. O grito da Terra e o grito dos pobres não aguentam mais. Cuidemos da criação, dom de nosso bom Deus Criador. Celebremos juntos a Semana Laudato si’”, convidou o Papa Francisco no vídeo publicado no dia 3 de março de 2020, quando o Papa Francisco anunciou oficialmente a Semana Laudato Si’.

Por isso, é com muita satisfação que a coluna “Matérias Especiais”, do nosso blog, recebe hoje o franciscano Frei Marx Rodrigues dos Reis, que trabalha diretamente no Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS). Segundo ele, esse tempo de pandemia tem clareado a indigência e o sofrimento humano. “Ficou mais nítido a fome quando vemos milhares de pessoas em situação de rua pedindo alimento, mulheres e crianças das periferias sofrendo agressão doméstica, trabalhadores coagidos pelos patrões a trabalharem para o seu enriquecimento, muitas vezes até ilicitamente”, ressalta o frade e acrescenta: O SEFRAS entendeu muito bem que para uma conversão ecológica acontecer, primeiramente precisamos de uma “conversão comunitária” (LS, 219). 

LEIA A REFLEXÃO DE FREI MARX NA ÍNTEGRA

Sempre é bom estar por aqui, nesse espaço de amigos e de admiradores do carisma franciscano, principalmente nesse tempo em que a presença física tem cheiro de saudade e que a vida parece frágil. Sim, estou falando da pandemia, mas falo não dela, mas para ela. Como quem conversa com o seu próprio drama. Digo para ela, a pandemia, que a morte foi vencida em um projeto de vida. Digo, mas parece que ela não escuta; falo, mas a voz parece pouca. Por isso, gostaria de refletir um pouco com cada um de vocês sobre a angústia que carrego quando falo com a pandemia, sobre a vida. 

Sempre que penso na vida, me vem à mente a fala de Jesus: “Que todos tenham vida! “Se nos voltarmos para o texto bíblico, de São João (10, 1-18), vemos a narrativa do Bom Pastor, onde se apresenta a figura de Jesus como pastor que está colocado ao lado do assaltante, aquele que confere perigo às ovelhas. Nessa narrativa aparece uma figura explicativa. Estou me referindo da porta. Jesus diz que ele é a porta (v.7) e que o pastor entra pela porta e conhece cada ovelha pelo nome, mas o assaltante não, nem entra pela porta e muito menos conhece cada ovelha pelo nome. 

Como figura da porta podemos ver quem é o Pastor e quem é o assaltante. Podemos perguntar: mas o que é a porta e o que ela liga? A porta é a vida, a proteção das ovelhas e ela liga as ovelhas à pastagem. Logicamente podemos ver que tanto a porta, quanto as ovelhas, são figuras ilustrativas. As ovelhas são o povo de Deus e a Porta é o projeto de Deus que se tornou carne em Jesus, fazendo Dele a própria Porta. 

Pois bem, com isso nós podemos refletir um pouco sobre como temos pensado na vida em seu sentido mais amplo. Queremos que as ovelhas tenham vida? Que o Plano de Deus “Porta” esteja aberta para que todos alcancem a vida? Se sim, então devemos buscar a vida para cada ser humano e para toda a criação, isso é sustentabilidade. Pode parecer estranho, mas não existe vida isolada. Não há possibilidade de vida terrestre sem a vida como um todo. Isso porque “tudo está interligado, como se fossemos um”. O ser humano precisa da criação, de seus bens para a sua subsistência, mas também para sua vida mais integrada. Não fomos criados para o vazio, fomos criados no meio do universo e fazemos parte dele, nos relacionamos com ele. Portanto, quando pensamos no sustento da vida, devemos pensar no sustento de toda vida, precisamos de sustentabilidade integral. 

Com a Carta Encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco, nós somos chamados a olhar o universo de uma forma sustentável. E aqui é preciso dizer que para entender a sustentabilidade da vida humana é preciso dizer que “Somos um elo singular da rede da vida […] pois somos portadores de consciência, de sensibilidade, de inteligência e de amor, qualidades supremas produzidas pelo processo de evolução. Sentimos que somos chamados a cuidar e guardar a Mãe Terra. Garantir a sustentabilidade da vida humana é garantir a continuidade da civilização e colocar sob vigilância também nossa capacidade destrutiva da natureza e de nós mesmos” (p.108, LEONARDO BOFF, 2015). É dentro dessa realidade que vemos o ser humano e a terra em uma construção unitária, dessa forma, quando vemos o sofrimento humano, conjuntamente estamos vendo o sofrimento da natureza, como o Papa Francisco nos alerta na Encíclica Laudato Si’: 

“O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. De fato, a deterioração do meio ambiente e a da sociedade afetam de modo especial os mais frágeis do planeta: «Tanto a experiência comum da vida quotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres” (Laudato Si’ 48).

Se o Papa está certo e os mais pobres estão sendo os mais afetados na nossa forma de agredir o meio ambiente; então, podemos dizer que as ovelhas do Senhor passam fome, precisam de pastagens, precisam passar pela porta para encontrar a vida. Não podemos pensar que as questões ambientais estão desligadas da vida humana, como também a vida religiosa não está desvinculada da construção social. A vida está em pandemia e quem mais tem sofrido são os mais pobres. Esse tempo de pandemia tem clareado a indigência e o sofrimento humano. Ficou mais nítido a fome quando vemos milhares de pessoas em situação de rua pedindo alimento, mulheres e crianças das periferias sofrendo agressão doméstica, trabalhadores coagidos pelos patrões a trabalharem para o seu enriquecimento, muitas vezes até ilicitamente.

Mas isso não foi causado pela pandemia, a vida há muito tempo está em pandemia, estamos tendo atitudes de assaltantes que é oposto as atitudes do pastor, entramos pela janela para ceifá-la. Assim, devastamos e não vencemos a fome. Compramos e não saciamos o desejo mesquinho de possuir. Há tanto tempo vivemos de forma insustentável e agora que vimos nitidamente os impactos de nossas ações, dizemos que foi a pandemia. Desrespeitamos a vida, somos a pandemia do mundo. Consumimos, destruímos a criação e demos quase todos os recursos para uns poucos, enquanto muitos, de pratos vazios, apenas observam essa ambição. 

“A política e a economia tendem a culpar-se reciprocamente a respeito da pobreza e da degradação ambiental. Mas o que se espera é que reconheçam os seus próprios erros e encontrem formas de interação orientadas para o bem comum. Enquanto uns se afanam apenas com o ganho econômico e os outros estão obcecados apenas por conservar ou aumentar o poder, o que nos resta são guerras ou acordos espúrios, onde o que menos interessa às duas partes é preservar o meio ambiente e cuidar dos mais fracos. Vale aqui também o princípio de que «a unidade é superior ao conflito” (LS 198)

Frente a tudo isso, grito à força predatória, à pandemia-assaltante que tem corroído a vida há muito tempo, mas ela não tem me dado ouvido. Minha pouca voz, quase que rouca, vem ao seu encontro, pois aqui é lugar de encontrar ovelhas, e entre ovelhas, alerto que o assaltante está à espreita, pronto para atacar novamente. Mas hoje, sei que entre irmãos nós nos entenderemos, pois tem sido assim nesses dias. Gritamos, resistimos, recordamos a Laudato Si’ e nos reconhecemos irmãos que buscam a vida, não para um, mas para todos. Que todos tenham vida!

REFERÊNCIAS

FRANCISCO, Carta enc. LAUDATO SI’: sobre o cuidado da casa comum (24 de maio de 2015). BOFF, Leonardo. SUSTENTABILIDADE: O que é – o que não é. Petrópolis, RJ. 2015.


O Franciscano Frei Marx Rodrigues dos Reis é natural de São João de Meriti na Baixada Fluminense (RJ). Recebeu o hábito franciscano em 2010 e professou os primeiros votos na Vida Religiosa Franciscana no dia 02/01/2011. É graduado em Filosofia pela FAE-Centro Universitário de Curitiba (PR), e em Teologia pelo Instituto Teológico Franciscano  de Petrópolis (RJ). Atualmente, é diretor-secretário e responsável pelo setor de formação do Serviço Franciscano de Solidariedade  (SEFRAS) e vice-coordenador da Frente de Solidariedade para com os Empobrecidos da Província da Imaculada Conceição do Brasil. 


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