Neste mês de março gostaria de escrever um texto maravilhoso falando de nós mulheres. Dos espaços que conquistamos, do respeito que passaram a nos dar nas ruas, de cargos e salários que nos pagam equivalentes aos dos homens. Queria contar dos vários gritos de independência que mulheres deram ao deixar de ser submissas em seus lares, que a violência doméstica acabou e que o feminicídio foi erradicado. Mas infelizmente não, mais um ano que passaremos pelo 8 de março como um dia de luta, resistência e de coragem.
Antes que alguns amigos e amigas (sim, tem mulher que acha isso) comece a falar que o assunto é mais um mimimi que impera no mundo moderno, quero conheçam a história que conta um pouco dessa luta e os dados que retratam a violência contra o gênero.
O dia internacional da mulher foi instituído pela ONU em 1975, como um reconhecimento das suas conquistas políticas e sociais (há, apenas, 45 anos!). Mas muito antes começava uma luta contra a desigualdade de gênero. Na França, no final do século XVIII, a dramaturga Olympe de Gouges organizou, junto de outras mulheres, uma resposta à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (aquela que a França gritou por igualdade, liberdade e fraternidade – lembram das aulas de história?). Era a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, que pedia direito ao voto e à propriedade e acesso às instituições políticas. Gouges foi guilhotinada em 1793, sob o argumento de ter traído a natureza de seu sexo (afff…).
Mas foi no final do século XIX, início do século XX que a luta ficou mais forte. Nos Estados Unidos e na Europa nos primeiros anos do século começavam protestos pelas ruas. As mulheres começaram a sair das fábricas para protestar por seus direitos, pois suas condições de trabalho eram ainda piores que a dos homens (pasmem!) e pelo direito ao voto. Alguns trazem em memória o incêndio numa fábrica de roupas em Nova York, há época em que as trabalhadoras começaram a reivindicar melhores condições. A fábrica repleta de produtos inflamáveis e numa época quando ainda era liberado o fumo em ambientes internos, fácil para iniciar uma catástrofe. Mas, o problema maior foi no nono andar do prédio: o andar dispunha de apenas duas saídas, ambas fechadas para impedir que as funcionárias saíssem durante o período de trabalho. E assim, todas ficaram presas, causando 146 mortes, sendo 125 mulheres. O incêndio aconteceu em 25 de março de 1911. O dia 8 de março foi de fato instituído como data celebrativa das mulheres por uma caminhada que aconteceu em 1917, neste dia, feita por mulheres que protestavam contra a fome durante a Primeira Guerra Mundial. Enfim, acredito que independente da data, o marco de lembrar a coragem dessas mulheres em reivindicar os mesmos direitos, numa época totalmente machista, para mim, é louvável.
Alguns hão de dizer: “ah, mas elas conquistaram muitas coisas neste último século…” de fato, conquistamos, mas algumas coisas: direito ao voto, alguns direitos trabalhistas como licença maternidade (que considero que deveria ser para o pai e mãe, em países como a Alemanha, é de até 14 meses, podendo ser dividido entre eles), além do surgimento e disseminação de métodos contraceptivos e de prevenção a DSTs (tema polêmico no meio católico, né?). Para mim, é uma baita conquista, visto que as mulheres tinham 30 mil filhos e necessitavam ficar em casa para cuidar da prole que nascia ano após ano, basta olhar para ver a vida sofrida da maioria de nossas avós.
Ao falar da história da luta das mulheres pela igualdade de gênero, vemos uma série de novos termos que retratam as causas das lutas mais contemporâneas, dentre elas o EMPODERAMENTO FEMININO:
Tomada de poder do indivíduo, o resgate de sua dignidade e o reconhecimento de sua importância. “Empoderar-se” é o ato de adquirir poder. Quando trazido para o âmbito feminista, é adquirir poder como mulher. O termo, um dos mais procurados no Google em 2016, foi criado pelo educador Paulo Freire, que se inspirou em empowerment (“fortalecimento”, em inglês).
Esse empoderamento tão contemporâneo, talvez seja a expressão que mais faça sentido nessa luta, ao menos para mim. A ajuda mútua entre as mulheres (sororidade para quem ainda não ouviu falar ou não assistiu ao BBB 20, né?), a motivação para que as mulheres se posicionem frente a atitudes machistas e o diálogo sobre o assunto são cada vez mais necessários.
Para deixar de ser teórica, quero contar um pouco sobre mim. Nasci numa casa machista, minha mãe, mesmo sem saber, é um pouco machista até hoje, coisa da educação da época. Cresci ouvindo que mulher tem que suportar tudo, e minha mãe suportou muita coisa. Inclusive foi o modelo de amor que aprendi a ter durante muito tempo: para ser amor tem que sofrer, tem que doer. Fui curar isso na terapia, e quem sabe da minha história sabe o quanto sofri num relacionamento abusivo e que recebi críticas ao sair dele, pois eu havia casado e “tudo devemos suportar, inclusive assédio moral e físico”. Essa e outras foram as falas que recebi durante um certo período da vida, até desconstruir toda e me reconstruir. Me separei e anos mais tarde consegui a nulidade do casamento, e confesso que às vezes sinto algum julgamento por ter feito isso. Parei de sofrer e comecei a perceber esse universo do feminismo, que não é o ato de não depilar ou sair em protestos com seios a mostra como tanto se divulga em detrimento da luta. É ir em busca de direitos iguais no trabalho, na família, nas ruas ou em qualquer espaço.
Sou por formação Secretária Executiva. Atuei muitos anos nessa área e como sofri assédio. Nessa profissão em específico a gente ouve muito comentário idiota. “Vamos fazer o teste do sofá?”, “Ganhou aumento porque saiu com o chefe!”, “Para que estudar, para servir cafezinho?”, dentre outras que desmerecem a mulher e a profissão. O ambiente corporativo é muito sexista. Dados apresentados por uma reportagem da Super Interessante divulgado em 14 de fevereiro de 2020 apresenta que há uma diferença de 53% entre os salários dos homens e das mulheres, elas ganham menos em todos os cargos, níveis de escolaridade e áreas de atuação. E apenas ¼ dos cargos de presidência das empresas são mulheres e ganham 32% menos que os homens. Isso tudo no ambiente corporativo, agora pensem o que acontece dentro de casa.
No Brasil 12 mulheres são assassinadas por dia. Dos 4.473 homicídios de mulheres em 2017, apenas 21,1% foram classificados como feminicídios pelo Ministério Público. 135 MULHERES SÃO ESTUPRADAS POR DIA, SENDO QUE 65% DOS CASOS ACONTECEM EM CASA. Gente, isso é desesperador! O machismo mata. Companheiros e ex-companheiros, estranhos, homens que se sentem donos de corpos que usam, abusam e matam. Precisamos abrir os olhos para essa realidade e deixar de falar que é mimimi. Precisamos parar de pensar que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Não podemos deixar passar casos de assédio em nenhum ambiente. E não digo isso apenas para mulheres, digo aos homens também que têm essa compreensão de respeito a dignidade da pessoa, se posicionem nos espaços machistas também!
Nas Missões Franciscanas da Juventude de 2020 vivi um momento lindíssimo! As meninas do Rio de Janeiro durante a apresentação da Serata Laudato Sí tiraram suas blusas no palco e exibiram em suas camisetas com a frase “Lute como uma garota”, e não foi apenas frase que impactou, foi o enredo, a força com que elas manifestaram aquele empoderamento.
O Papa Francisco, Na Exortação Apostólica pós-sinodal “Querida Amazônia”, o Pontífice voltou a reafirmar o papel das mulheres, ao recordar que elas têm “uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades, mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil feminino”. Sem clericalizá-las, “as mulheres prestam à Igreja a sua contribuição segundo o modo que lhes é próprio e prolongando a força e a ternura de Maria, a Mãe”. Sem as mulheres, escreve o Papa neste documento, a Igreja “desmorona”. O site Vaticans News, publicou na véspera do Dia da Mulher em 2018 um texto com recortes do posicionamento do Papa Francisco sobre as Mulheres na Igreja. O texto começa com a seguinte narrativa do Papa: “As primeiras testemunhas da ressurreição são as mulheres. E isso é bonito. E este é um pouco a missão das mulheres”. Lindo isso, não? A Igreja reconhecendo o papel da mulher na vida cristã. Papa Francisco é cheio de gestos e palavras: do lava-pés, estendido, pela primeira vez, também às mulheres, às visitas às prisões femininas. Da criação de uma Comissão sobre o diaconato das mulheres ao cada vez maior número de mulheres nomeadas em cargos importantes no Vaticano. Na primeira missa do ano o Papa Francisco falou em defesa das mulheres, denunciou o uso e abuso das mulheres e pediu o fim da exploração do corpo feminino. Ele ainda pediu desculpas por ter se irritado com o aperto que levou de uma mulher durante sua caminhada na Praça São Pedro (convenhamos que ela também errou, né?).
Sabemos que a Igreja Católica é muito machista em muitos pontos, mas temos caminhado, mesmo a passos lentos, para uma equidade na participação das mulheres. Essas mudanças são muito recentes, mais nítidas no Concílio Vaticano II quando algumas mulheres foram convidadas pela primeira vez a participar. E foi neste Concílio que as mulheres puderam começar o serviço como Ministras Extraordinárias da Comunhão Eucarística, homens também, mas nesse contexto eles já tinham sua opção de serviço enquanto sacerdotes. Vejam, o Concílio Vaticano II é de 1965, apenas 55 anos de uma história de quase 2000 anos.
A história do povo de Deus é também feminina, basta olharmos com carinho a Bíblia que está repleta de mulheres que rendem até publicações com estudos sobre suas histórias. Nos evangelhos por inúmeras vezes Cristo é visto, dialoga, defende e partilha com as mulheres. Nosso salvador é o cara que quebrou paradigmas de uma sociedade que via a mulher apenas a margem. Cristo é demais mesmo, daria um textão só sobre isso!
Maria é para mim meu modelo de mulher, e rezo sempre para seguir seus passos enquanto mulher, mãe e esposa. São Francisco de Assis também, um apaixonado pela mãe de nosso Senhor sempre a exaltava com grande respeito. Há grandes mulheres na história de São Francisco: sua mãe Dona Picá viveu com ela a intensidade do amor materno, do cuidado, compreensão, fineza e ternura; Santa Clara de Assis, a pequena e doce Clara, sua fiel companheira, que buscou de jeito terno no claustro a busca da perfeição e apoio à missão pela intercessão, rezando noite e dia; e a querida amiga Jacoba de Settesoli, que dividia virtudes e bens, o ajudando em vários momentos como o cuidados com as chagas e em seu trânsito. Os restos mortais de Fra Jacoba, como era chamada pelos frades, está na cripta de São Francisco de Assis, junto com seus leais companheiros Frei Leão, Frei Masseo, Frei Rufino e Frei Angelo. Sua grande amiga repousa na companhia dele.
Mulheres e homens, jovens todos, inspirados por Cristo que nos dá vida em abundância, sigamos fiéis no propósito de defesa da vida, neste mês de março em especial pela vida da mulher que luta, trabalha, estuda, tem filhos ou não, é namorada, esposa, solteira ou divorciada. Aquela mulher que rala e que precisa ser lembrada do seu valor, ser lembrada que essa luta é de todas e de todos. Vamos falar sobre o assunto nas escolas, faculdades, no transporte, na fila do pão. A luta é diária e não me cansarei. E não apenas porque sou mulher, é porque sou humana, porque sou cristã.
Um abraço, Mari Rogostki!