Espelho, espelho meu…

É muito comum e bastante compreensível que tenhamos interesse em ter as nossas belezas reconhecidas e admiradas. Sobretudo na juventude, costumamos caprichar mais no look quando sabemos que vamos encontrar o crush. E é tão natural dar aquela olhada no espelho antes de sair de casa pelo menos para ver como está o cabelo. Pois é, tudo isso faz parte de uma preocupação normal com a estética, e até certo ponto muito saudável. O que precisamos questionar é o empenho cada vez mais exagerado em se adequar aos ditos “padrões de beleza”.

Um certo dia, lá no Egito Antigo, alguém definiu que beleza é a simetria das formas. Todas as pinturas faciais eram para tornar as pessoas mais belas, homens e mulheres. Foi o início das maquiagens e dos cosméticos, e a partir de então um valor que era totalmente individual e abstrato, começou a ganhar padrão, modelo e conceito. Dai em diante iniciou-se um processo que mudou a história da humanidade. A valorização da harmonia das formas corporais inciada na Grécia Antiga, e retomada no Renascentismo, é o emblema do atual modelo idealizado de beleza, em uma versão atualizada do culto ao corpo.

E vejam de que forma a padronização da beleza chegou até nós, e como mudaram os conceitos nos últimos anos. Nem discutimos a fundo a questão da magreza como modelo estético, e já estamos no meio da era “fitness”. Para ser “bonito” dentro dos padrões, as pessoas passam horas dentro de academias, praticando atividades muitas vezes exaustivas, consumindo uma grande quantidade de proteínas, aminoácidos e suplementos, tudo para ter um corpo dito “ideal”. Ou, por vezes, buscam auxílio na cirurgia plástica e nos procedimentos estéticos. Desde 2013 o Brasil é o país que mais gasta com cirurgias plásticas no mundo.

Ao longo dos anos nós nos abstivemos de encontrar a beleza, para comprar um “belo” fabricado, construído sob medida, e com prazo de validade. Aquelas pessoas que não se enquadram nos “padrões”, estão fora de mercado. E por falar em mercado, de acordo com um dado fornecido pelo Jornal da USP, no ano de 2017 foram realizadas 90 mil cirurgias plásticas em jovens e adolescentes, nos Estados Unidos, segundo país que mais gasta com estes procedimentos, foram 66 mil. De acordo com a matéria, os jovens brasileiros recorrem às intervenções influenciados pela mídia. 

As estatísticas apresentadas são da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, ou seja, refletem apenas os dados de intervenções estéticas realizadas por profissionais habilitados. Existe a questão dos procedimentos estéticos realizados de maneira clandestina, feitos por pessoas não habilitadas, que não entram nessa conta. Todos os anos dezenas de pessoas morrem no Brasil após realizarem procedimentos estéticos com profissionais não habilitados, as vezes utilizando silicone industrial, e um incontável número fica com sequelas graves. É um preço alto demais a se pagar por uma beleza padronizada.

É óbvio que ter uma vida ativa, com a prática de atividade física regular é fundamental. Assim como é ótimo também cuidar bem do nosso corpo, preservar a pele e os cabelos, ter esses bons hábitos não são mera vaidade. O perigo é quando fazemos tudo para nos enquadrarmos ao um padrão. A atividade física deve representar uma vida saudável, não uma preocupação estética. Assim também como as cirurgias plásticas, quando não há exageros, são recursos essenciais para a qualidade de vida. O problema sempre será o foco.

O mercado da beleza lucra bilhões com a proposta de um corpo perfeito, e influencia a sociedade a acreditar que beleza é aquilo. Aceitar e conviver com a padronização e a comercialização da beleza, além de fortalecer este mercado, produz insatisfação em quem não se enquadra nos modelos idealizados. Na verdade o mercado da beleza vende a insatisfação com seu corpo, quando apresenta uma beleza fabricada e por vezes inatingível. Além de uma busca incansável para alguns, existem situações de bullying, disseminação de preconceitos, entre outras ofensas à pessoas que não tem aquele cabelo, determinado peso, uma orelha assim, ou um nariz assado. Foi até criado um termo para isso, a “Ditadura da Beleza”, que trata da penalização imposta à pessoas que não se adequam, ou não conseguem se adequar aos padrões.

Nossos conceitos de belo são tão padronizados que eu te desafio a refletir sobre como é uma pessoa bonita para você. Pense, não diga aquilo que é considerado bonito para as revistas, para os catálogos de moda, para os publicitários, etc. Quero que tenha uma opinião pessoal, e sem comparações ou exemplos. Perceba como a verdadeira beleza está nos detalhes, na simplicidade e na autoaceitação. Somos todos perfeitos, pois fomos criados pelo mesmo Deus, e à Sua Imagem. Amar-se, identificar a beleza que existe em si, é gratidão e reconhecimento da perfeição do Criador. 

Para São Francisco, a beleza é uma qualidade atribuída à Deus, como podemos ver em um de seus textos chamado “Louvores a Deus Altíssimo”, onde escreve no versículo 4, e repete no versículo 5: “Vós sois beleza”. Também no tão conhecido Cântico das Criaturas, São Francisco diz do irmão sol: “És belo e radiante com grande esplendor, de Ti, Altíssimo é a imagem”. 

Se a beleza é virtude Divina, e se fomos criados à Sua imagem somos também muito belos, cada uma com sua individualidade e sem padronizações. Deus se fez homem para nos amar de uma maneira jamais imaginada. Algo me diz que a verdadeira beleza tem uma relação íntima com o amor e com a partilha.

Carlos Fernandes Vera Neto

One comment

  1. É tão importante dividir saúde e estética forçada. E, neste caso, tanto a saúde física quanto mental.

    Parabéns pelo texto! É muito legal ver você nessa equipe grandiosa do Conexão Fraterna.

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